Folha de S. Paulo


Vamos enterrar os #malditosfios?

Aconteceu tudo de novo: choveu forte, caíram árvores que levaram postes para o chão, áreas da cidade ficaram ilhadas sob apagão, uma pessoa morreu. Imediatamente todos os olhos se voltam para a nossa pobre flora e começa a temporada de poda irracional. As árvores, tão necessárias para a qualidade de vida na cidade, caem sobre fios que já não tinham mais nada que estar fazendo ali no ar, há muito já deviam ter sido enterrados.

Entre sua eleição e a posse, em 1º.jan.2013, o prefeito Fernando Haddad manifestou-se favorável a uma política sistemática de enterramento da fiação aérea da cidade de São Paulo. Era um bom sinal, para uma cidade que tem cerca de 17 mil km de ruas com fiação aérea para distribuição de energia elétrica e uma demanda cada vez maior de fios de telefonia, TV a cabo e internet.

Mas logo que tomou posse, provavelmente diante dos altos custos e do tempo necessário para enterrar todos os fios da capital (estimam 60 anos), o prefeito silenciou sobre o assunto e voltamos ao ritmo lento das administrações anteriores: enterramento de fios quando a prefeitura realiza obras de revitalização de ruas ou avenidas, como foi o caso da Faria Lima, ou em apoio a iniciativas privadas, como foi o caso da rua Avanhandava (centro) ou da Oscar Freire (Jardins).

Além dos ventos, cada vez mais fortes, só a Eletropaulo se movimentou nestes três anos: produziu um plano de ação detalhado que propõe o enterramento de toda a área do centro expandido (aquela região onde vigora o rodízio dos automóveis) em dez anos. Para isso, enterraríamos 250 km de fios a cada ano, o que é o ritmo que Tóquio vem cumprindo desde que iniciou o seu programa. A empresa propõe que a prefeitura crie uma autoridade municipal para coordenar as ações públicas e privadas, de forma que todas as obras em ruas (para metrô, jardins, esgotos, corredores de ônibus ou viadutos) incluam o enterramento da fiação aérea da região.

O custo desse enterramento, feito isoladamente, seria de R$ 10 bilhões. Mas com coordenação do poder público, desconto de impostos federais, estaduais e municipais e contribuição das empresas envolvidas, a empresa elétrica estima que seria possível reduzir o valor a 20% (dois bilhões), que ela propõe dividir entre prefeitura, as outras empresas que usam postes e os consumidores. Será possível? O único jeito de saber é o poder público avaliar os números e a estratégia.

O prefeito Haddad considera, com razão, que a lei de privatização da Eletropaulo, no governo Mario Covas, deveria ter incluído o enterramento entre as obrigações do comprador. Mas não podemos ficar chorando sobre os fios derrubados, é preciso criar condições para avançar.

Fiações aéreas sofrem 13 vezes mais interrupções do que as enterradas; têm custos maiores de manutenção e provocam maiores prejuízos para os clientes em geral (um custo que acaba não sendo computado, porque empresas e cidadãos acabam por não cobrar). As empresas de telefonia e internet pagam aluguéis pelo uso dos postes. Tudo isso calculado poderia ser usado para criar uma forma de financiamento de longo prazo do enterramento.

Vai começar uma campanha eleitoral. É uma oportunidade para a sociedade cobrar dos candidatos uma posição: se querem ter árvores saudáveis na cidade, precisam planejar o enterramento dos fios.


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