Folha de S. Paulo


Dilma e o Minhocão, a queda e o futuro

Vejo semelhanças entre o Minhocão, a via elevada que cruza o centro de São Paulo, e a situação da presidente Dilma Rousseff. Creio que os destinos de ambos já estão selados. Se estou certo, a presidente, como a avenida, já acabou. A disputa que se trava agora é pelo enredo da narrativa: a imagem a ser projetada para o futuro. Será de uma pura tragédia, um erro histórico, ou reservará uma memória mais favorável, talvez até glamorosa?

O Minhocão pode ser simplesmente derrubado. Ficarão as fotos de um monstrengo e algumas estacas enterradas, como fósseis de dinossauros, para que um historiador do futuro possa descobrir em alguns séculos até onde pode ir a aberração do poder público, quando se sente acima do bem e do mal, ao conceber intervenções na vida dos cidadãos.

A disputa que atualmente travam duas entidades, Associação Parque Minhocão e Movimento Desmonte Minhocão, no entanto, busca determinar a crônica de seu ocaso. O Plano Diretor determinou o fechamento da avenida em um horizonte de tempo (15 anos) e deixa para decisão posterior a escolha entre derrubar a estrutura e mantê-la de pé como uma área verde.

Os defensores do Desmonte alegam que não é só o trânsito de veículos que prejudica a cidade, mas a estrutura em si. Portanto, virar área verde não resolveria. É preciso apagar o Minhocão do espaço que ocupa há 45 anos. Os militantes do Parque alegam que os moradores já se apropriaram da via elevada como uma importante referência de lazer e relação com o tecido da cidade, cabe ao poder público reconhecer essa realidade e incrementá-la.

Manter o Minhocão de pé (inteiramente ou em parte) e dar a ele um uso simpático, pode corresponder ao que Berlim fez com seu antigo Muro: hoje parcialmente preservada, a ruína incorporou a arte de rua, a cidade vê naquele espectro a memória do mal e sua superação, e sente orgulho. Passear no Minhocão, verde e sem carros, pode ser a consagração de uma nova concepção do espaço público frente ao erro histórico da prioridade ao carro sobre a vida humana.

Dilma pode cair: sua capacidade de inflar crises sugere um destino inexorável. No dia seguinte, o Brasil entrará em nova rotina, escândalos, pacotes econômicos, a Copa América, eleições municipais, uma nova edição do Big Brother e logo chegará a Copa do Mundo e mais uma eleição presidencial. Em poucos anos, o país lembrará dela como uma imagem fora de foco.

Seus apoiadores, no entanto, resistem. Mais do que a superação do impeachment, creio, buscam escrever a história que será lembrada no futuro, determinar que os livros falem de um golpe, trama que impediu a presidente de governar, que gerou uma profunda crise econômica e a impediu de redimir a pobreza e implantar a pátria educadora. E Dilma tentará ganhar um lugar mais nobre na história, sua incompetência eclipsada pela imagem da vítima de uma trama golpista.

É sintomático que o PT, que nasceu como uma nova esquerda, crítica ao mesmo tempo do populismo getulista, derrotado em 1964, e da hegemonia comunista, hoje se compare com Getúlio e Jango em discursos sobre a possível queda de Dilma.

Ao final, só restará o pó e ele não tem memória. Nos dois casos, a disputa é pela imagem a ser deixada para a história.

O QUE DIZEM OS MORADORES

As pesquisas de opinião dos paulistanos sobre o Minhocão são geralmente feitas com toda a população da cidade, sem ouvir aqueles diretamente afetados pela avenida. A pedido da coluna, uma pesquisa ouviu 500 moradores de cinco bairros que o Elevado atravessa: Barra Funda, Consolação, Higienópolis, Perdizes e Santa Cecília. E para surpresa do colunista, o resultado mostra que 59% dos entrevistados são contrários à desativação do Elevado (contra 26% a favor e 15% sem opinião).

O percentual daqueles contrários à desativação é exatamente igual ao dos que têm automóvel (41% dos entrevistados nos cinco bairros dizem não ter automóvel).

Quando o instituto PróPesquisa perguntou "Se o Minhocão for desativado, qual a melhor solução?", 38% disseram preferir o parque; 30%, a demolição; e 33% não responderam.


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