Folha de S. Paulo


O diabo e o financiamento da eleição 2016

Estamos a ponto de constatar que "o diabo às vezes aparece como homem de bem", conforme o verso de Bob Dylan. No ano passado, uma aliança de uns tantos ingênuos, como Chapeuzinho Vermelho, e outros muitos espertos, como Lobo Mau, conseguiu proibir doações de empresas a campanhas eleitorais no Brasil, país sem tradição de contribuições individuais.

Está chegando a hora de ver o resultado, tão óbvio como tenebroso: as contribuições criminosas serão estrelas do financiamento eleitoral em 2016. A profunda crise econômica só agrava a dificuldade de inverter a cultura enraizada na cidadania. Dizer que, no auge do desemprego, da inflação e da queda do PIB, o povo começará a apoiar com dinheiro seus políticos prediletos, só pode ser papo de Lobo para enganar Chapeuzinho.

O crime organizado mais antigo, influente e persistente do Brasil é o jogo ilegal, "a contravenção", como se diz no Rio. Você notou as notícias recentes sobre projetos legislativos para legalizar o jogo? Bingo! Alguém já pôs a rodar a roleta da contribuição eleitoral.

Contrabandistas, traficantes e banqueiros de bicho e bingo sempre trabalharam à margem da legalidade, seu único caixa é o 2. Para eles, não é preciso inventar nada. Suas doações serão como sempre foram. Vão reinar. As outras terão redução.

Quando defendeu o fim das contribuições de empresas, Lobo Mau sabia que uma importante forma de crime eleitoral permaneceria intocada, agora até mais forte: sindicatos (patronais e de empregados) e movimentos sociais são proibidos de fazer política eleitoral por serem beneficiados com dinheiro público, como o imposto sindical. Mas fazem, intensamente. Assim, cometem crime ao fazer campanha. Chapeuzinho crê que a partir de agora vão se conter.

Lobo Mau também sabia que políticos com mandato têm sempre mais recursos para campanha, gastos ligados ao gabinete e exposição na mídia por quatro anos. Com poucos recursos, é quase impossível batê-los em uma campanha de 45 dias. Resultado, Lobos com mandato tendem a se perpetuar no poder.

Por fim, o resultado mais preocupante das novas regras é a possibilidade de que cresça vertiginosamente a participação do banditismo no financiamento de campanhas. Simplesmente porque sua contabilidade sempre foi "não oficial", basta fazer como sempre.

Um sintoma do tamanho desse risco são as constantes investigações sobre a participação de organizações criminosas em empresas de transportes públicos e a crescente representação parlamentar desses interesses. Se aconteceu antes, é provável que cresça a partir de agora.

As doações de empresas, devidamente registradas, são permitidas nas mais antigas democracias sobre a Terra, como EUA e outros países de tradição legalista. Em vez de influenciar insidiosamente a política, a transparência torna explícita a relação entre apoiadores e as teses defendidas pelos eleitos. Exemplo: a relação da indústria do petróleo com o presidente George W. Bush explica suas posições contra a redução de gases de efeito estufa. Não há nada escondido, nada a investigar.

Num regime de transparência, se alguém doa dinheiro por caixa 2, podendo fazê-lo legalmente, é por ter razões espúrias. Já com as novas disposições adotadas pelo Brasil, na prática, as doações ilegais vão se tornar norma. E aí, quanto mais Mau, melhor se dá o Lobo.


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