Folha de S. Paulo


Dilma, hidrelétricas e empreiteiras

Aprende-se na escola de jornalismo que frequentemente o importante perde destaque para o impactante nos jornais. Isso talvez explique o silêncio quase absoluto em torno dos vetos da presidente Dilma Rousseff aos itens do Plano Plurianual que indicavam prioridade para o incremento da produção de energia renovável com fontes alternativas à matriz hidrelétrica.

Não é só no discurso sobre a impossibilidade de estocar vento (sucesso absoluto como meme na internet) que a presidente ataca as chamadas fontes alternativas. Desde quando era ministra de Minas e Energia, vem dando provas de conservadorismo ao tratar de planos de produção de energia para atender a demanda futura do país.

A marca de Dilma como imperatriz da Energia é a preservação do duopólio de hidrelétricas e termoelétricas. Por isso mesmo, não é possível separar sua aversão da herança de 12 anos como estrategista da eletricidade no país: a quebra da Petrobrás, da Eletrobrás e das empresas elétricas privadas, ao lado da acelerada destruição dos rios afetados pelo faraônico plano de hidrelétricas que criou para a Amazônia.

Gerado no Executivo, discutido e aprovado pelo Congresso, o Plano Plurianual é uma espécie mapa para o futuro. É feito para estabelecer prioridades além dos mandatos de cada governante, comprometendo o Estado com políticas de longo prazo. Ao vetar os itens que propõem incentivo a energias renováveis não-hidráulicas, a presidente nos aferra ao passado, à produção com represamento de rios da energia de que o país precisará para sustentar o crescimento econômico.

Diante das mudanças climáticas que têm gerado secas inéditas, as represas do país todo estão baixas e a alternativa tem sido queimar petróleo. Isso tende a piorar. Portanto, os vetos da presidente nos condenam também ao uso frequente de termoelétricas ao atrasar o desenvolvimento de um menu mais sofisticado de fontes.

Durante a ditadura militar, nos anos 1970, o governo do general Geisel concluiu que a implantação de hidrelétricas esgotaria rapidamente seu potencial. As regiões com maior produtividade (o sul e o sudeste) já tinham barrado todos os rios mais importantes e a Amazônia exige lagos amplos demais, com baixa eficiência. O governo ditatorial deixou um plano pronto de ocupação do rio Xingu, que veio a ser arquivado logo após a redemocratização, porque afetaria muitas terras e povos e destruiria o ambiente de forma irracional.

Empossada ministra em 2003, Dilma desarquivou o plano dos militares para o Xingu: com novo nome, surgiu Belo Monte, que enganou a opinião pública com a promessa de desgaste mínimo para rio e floresta e, antes mesmo de gerar energia, já dá provas de que será conhecida por nossos filhos como uma bomba ambiental.

Dilma também implementou um plano de instalação de cerca de cem hidrelétricas de diferentes tamanhos na Amazônia. Nesse pacote, mudou o gabarito das chamadas "pequenas hidrelétricas" para permitir a implantação de usinas de porte médio sem licenciamento ambiental, o que já provocou o desaparecimento de peixes de bacias que não chamam atenção da opinião pública.

No mundo todo, o crescimento da energia eólica já beneficia matrizes de países tão diferentes quanto Alemanha, México, China, Dinamarca, Índia e Estados Unidos. No Brasil, seu crescimento tem sido puxado pelo preço 30% a 50% menor do que o da energia produzida com biomassa ou com luz solar. E nenhuma delas emite gases de efeito estufa.

Enquanto não surgem explicações políticas e psiquiátricas para o retrocesso dos vetos presidenciais, deixo aqui minha hipótese: a hidrelétrica é a única forma de produção de energia renovável inteiramente dominada pelas grandes empreiteiras de obras públicas brasileiras, aquelas que têm seus diretores presos ou processados em inquéritos sobre corrupção. Essas empresas resistem à produção eólica, solar e com biomassa porque não exigem construções imensas e nem uso intensivo de mão de obra, cimento e concreto, especialidade de empresas como OAS, Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez etc. Coincidentemente, o establishment governamental brasileiro é sempre servil à matriz hidrelétrica.


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