Folha de S. Paulo


A hora e vez do Eletrolão

Conta a anedota que dois executivos conversavam quando o de Brasília disse: "A Odebrecht deve ser a maior empreiteira do mundo". Ao que o outro, baiano, respondeu: "Mais que isso, é a maior da Bahia!"

A prisão de executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez projeta um capítulo novo para as investigações sobre a corrupção: vem aí o Eletrolão. A apuração dos "malfeitos" no sistema elétrico começou quando o presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, admitiu ter pago R$ 100 milhões para obter parte da obra de Belo Monte (Pará). Andrade Gutierrez e Odebrecht também participam da usina no rio Xingu.

Há muito mais a ser apurado. As três empreiteiras atuaram também nas hidrelétricas do Rio Madeira (Rondônia), tema de longa polêmica ambiental só resolvida por pressão de Dilma Rousseff, então ministra das Minas e Energia, com o envolvimento pessoal do presidente Lula para convencer a ministra Marina Silva. Nessa época, Lula desabafou que Marina "jogou os bagres no colo do presidente".

O potencial explosivo do conjunto de usinas elétricas na Amazônia é certamente sem precedentes: ao contrário da Petrobras, onde as obras são planejadas pela estatal e depois licitadas, o Eletrolão vai mostrar que a própria Odebrecht concebeu as hidrelétricas do Madeira. Em consórcio com a estatal Furnas, a empreiteira analisou a bacia do rio, defendeu que ele tinha potencial de exploração, sugeriu a construção de duas hidrelétricas, indicou a localização de cada uma e fez o projeto inicial. Depois, na concorrência, ganhou o direito de construir e explorar a eletricidade de uma das usinas (Santo Antônio, em sociedade com a Andrade e Gutierrez); a outra, Jirau, coube à multinacional GDF Suez.

Os dois grupos vivem às turras porque o sistema, embora com duas plantas, foi planejado para funcionar de forma integrada e não concorrente: o lago de uma hidrelétrica começa na turbina da anterior; quando suas águas sobem, atrapalham o funcionamento da usina rio acima.

Assim, o conjunto de hidrelétricas criado sob a ministra Dilma rende mais a empreiteiras do que os serviços contratados pela Petrobras: as construtoras ficam com a exploração da energia, para o resto dos tempos. Por isso, o Eletrolão pode se revelar o maior escândalo do mundo. Ou da Bahia!

O TCM E A ILUMINAÇÃO

O TCM (Tribunal de Contas do Município) recomendou a suspensão da licitação da PPP da iluminação pública que terminaria na próxima quarta, 23, com abertura das propostas de interessados. O conselheiro João Antônio, indicado ao TCM pelo prefeito Haddad, pediu alterações em 12 pontos que a assessoria do órgão considerou graves na licitação. Entre eles, o fato de que o edital "não permite uma avaliação real da economicidade potencial a ser obtida em um projeto dessa magnitude, envolvendo um horizonte de 20 anos e uma despesa total prevista de mais de R$ 7 bilhões". Ou seja, muito dinheiro e pouco cuidado.

A suspensão pode durar muito tempo, até o apagar das luzes da gestão Haddad. No início de 2014, o conselheiro parou a licitação da inspeção veicular ambiental, pedindo informações à Secretaria do Meio Ambiente. Realizou desejo oculto do prefeito. Até hoje o processo não foi retomado. Segundo o gabinete de João Antônio, a secretaria não mandou as explicações requeridas. Ficou por isso mesmo...

Leia a íntegra da decisão do Conselheiro João Antonio que lista os defeitos encontrados pela área técnica do TCM no edital da PPP da iluminação pública. Divulgada no Diário Oficial do município de 15 de junho:

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DESPACHO DO EXMO. SR. CONSELHEIRO JOÃO ANTONIO
TC nº 72.002.036.15-60

Trata o TC nº 72.002.036.15-60 de Acompanhamento do Edital de Concorrência Internacional nº 001/SES/2015, deflagrado pela Secretaria Municipal de Serviços - SES. O objeto do Edital consiste na concessão administrativa para modernização, otimização, expansão, operação, manutenção, controle remoto e em tempo real da infraestrutura da rede de iluminação pública do Município de São Paulo, contemplando o prazo de 20 anos, com valor estimado de R$ 7.332.000.000,00 (sete bilhões e trezentos e trinta e dois milhões de reais). A Coordenadoria VI, da Subsecretaria de Fiscalização e Controle, após análise dos documentos que compõem o certame licitatório, entendeu que o Edital em apreço não reúne condições de prosseguimento, em razão dos seguintes apontamentos:

"4.1 - Não restaram justificados tecnicamente o Valor Estimado do Contrato, a redução do Prazo da Concessão de 24 (vinte e quatro) para 20 (vinte) anos e a elevação do valor da Contraprestação Mensal Máxima de R$ 25.416.667,00 para R$ 30.550.000,00, todos alterados em relação às disposições constantes da Minuta de Edital publicada em outubro/2014, que serviu de base para a Consulta Pública e para as Audiências Públicas realizadas (subitem 3.3.1).

4.2 - Houve desatendimento ao disposto no § 4º, do art. 10º, da Lei Federal nº 11.079/04 em face da não apresentação dos estudos de engenharia para a definição do valor dos investimentos da PPP (subitem 3.3.2).

4.3 - Não foram apresentados estudos que demonstrem as composições dos custos/despesas referentes a Operação e Manutenção da Rede, CCO/Service Desk, Telegestão, Pessoal Administrativo, Despesas com Software e Outras Despesas Operacionais na elaboração do Plano de Negócios de Referência

- PNR (subitem 3.3.3).

4.4 - É imprescindível tornar obrigatória a contratação do Verificador Independente antes da emissão da Ordem de Início dos Serviços e sua permanência durante todo o período da Concessão no sentido de se evitar que a Concessionária venha a aferir seu próprio desempenho (subitem 3.4.2).

4.5 - Não está prevista no Edital a adoção do Livro de Ordem, importante mecanismo de controle e de fiscalização da execução contratual, desatendendo à Resolução n° 1.024 do Confea, de 21.10.2009, e o Ato Normativo nº 06 do Crea-SP, de 28.05.2012 (subitem 3.4.3).

4.6 - Não está autorizado em Lei o procedimento de negociação das Receitas Complementares, Acessórias ou de Projetos Associados entre o CGP e a Concessionária, nem regulamentado com parâmetros legais objetivos, o que fere os Princípios Constitucionais da Legalidade, da Publicidade e da Impessoalidade presentes no artigo 37 da Constituição Federal. Ademais, o Edital deve merecer adequação, com a definição de um critério objetivo e transparente para que se possa estabelecer o compartilhamento dessas receitas (subitem 3.4.4).

4.7 - Merecem análise jurídica própria as disposições do Edital que definem as contradições relativas à revisão da proporção do compartilhamento das "RECEITAS COMPLEMENTARES, ACESSÓRIAS OU DE PROJETOS ASSOCIADOS" na recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, e às atividades a serem desenvolvidas pela SPE que possibilitarão a obtenção de receitas, lucros e ou prejuízos na exploração dessas mesmas "RECEITAS" (subitem 3.4.5).

4.8 - Restou indefinida a data limite para a constituição do Comitê Técnico, apresentada na subcláusula 35.1 da Minuta de Contrato, em relação à data de emissão da Ordem de Início dos Serviços (subitem 3.4.6).

4.9 - A fórmula de cálculo da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL EFETIVA, devido em especial aos pesos considerados para o FDI (0,90) e o FDE (0,10), não está atendendo ao propósito e ao foco previstos no Chamamento Público de onde se originou o presente Edital de Licitação. Não foi encontrado nos autos do PA que trata da presente Concorrência estudo ou proposta que justificasse a ponderação adotada (subitem 3.5.1).

4.10 - Há a necessidade da adequação das disposições constantes do subitem 5.7 do Anexo IV da Minuta de Contrato, com a supressão da frase "devendo ocorrer sempre a cada mês de julho.", em face do disposto no artigo 3º, da Lei Federal nº 10.192/01, e da possibilidade da postergação da data de abertura das propostas (subitem 3.5.2).

4.11 - Faz-se necessária a apresentação de justificativa com relação à adoção do mecanismo de reajuste contratual da Contraprestação Mensal Máxima a ser paga pelo Poder Concedente à Concessionária (subitem 3.5.3).

4.12 - A ausência dos elementos essenciais citados neste Relatório não permite uma avaliação real da economicidade potencial a ser obtida em um projeto dessa magnitude, envolvendo um horizonte de 20 anos e uma despesa total prevista de mais de R$ 7 bilhões (subitem 3.6)."


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