Folha de S. Paulo


Adeus, cidade limpa!

Se tudo ocorrer como previsto, nesta terça-feira (10) a Câmara Municipal vota um projeto que pode acabar de vez com a Lei Cidade Limpa, a proibição de publicidade externa em São Paulo, desde 2006/2007. O projeto 220/2014, que vai para primeira votação, marcará o retorno da propaganda paga e legal às ruas da cidade, além dos pontos de ônibus e relógios, já previstos em lei. Em vez dos antigos outdoors, agora as bancas de jornal passarão a ser suporte de anúncios.

O autor da lei é o vereador José Américo Dias (PT), ex-presidente da Casa, em últimos dias de mandato antes de assumir a cadeira de deputado estadual, na semana que vem.

O projeto autoriza as bancas de jornal a negociarem publicidade nas faces externas, conforme leis de mercado, ou seja, sem se submeterem a regras de direito público. Hoje os jornaleiros só podem ter pôsteres de propaganda dos produtos que devem comercializar, jornais e revistas.

Em seus artigos, o texto elenca entre os direitos do "permissionário" (dono da banca):

"Explorar de forma remunerada espaços publicitários nas bancas mediante contrato com terceiros, na parte interna ou externa da banca, ou na parte lateral e traseira da banca, ou na testeira da banca, seja através de tecnologias digitais, impressos ou luminosos".

Bancas são lojas que têm a regalia de explorar de graça o espaço público, em calçadas e praças, por venderem veículos de imprensa, ajudando o direito à informação (jornais e revistas). Qualquer outra atividade caracteriza uma concorrência desigual, pois compete com pontos comerciais que pagam o imóvel onde funcionam.

Jornalista, José Américo destaca a redução do número de bancas como sua principal preocupação: "É preciso dar outras formas de receita para o dono de banca sobreviver, pois a redução da circulação da mídia em papel está reduzindo o número de pontos na cidade: há dez anos eram 7 mil bancas, hoje é só metade disso".

A lei será incluída em um desses pacotes em que cada vereador inclui um projeto para ir a plenário e todos são aprovados "por unanimidade". O texto que vai para votação não impõe limites de espaço à publicidade. Américo diz que uma vez aprovada em primeira votação, fará um substitutivo à lei prevendo que metade do espaço disponível seja usado para publicidade de revistas e jornais e um certo percentual destinado a comunicação da Prefeitura. Além disso, ainda que ele assuma a cadeira de deputado, a Câmara promoverá uma audiência pública para discutir o projeto e eventuais melhorias antes da segunda votação, dentro de um mês aproximadamente.

O projeto foi aprovado na comissão de Constituição e Justiça (que avalia se ela é juridicamente correta), composta inclusive por vereadores de partidos que eram da base de apoio do prefeito Kassab quando da aprovação da Lei Cidade Limpa (como PSDB, DEM, PV). Agora só falta ir a plenário.

José Américo diz que durante a discussão do projeto que autorizou publicidade em pontos de ônibus e relógios públicos, as bancas chegaram a ser incluídas como "mobiliário urbano" mas foram retiradas porque os vereadores consideraram que elas já tinham publicidade (editorial) e não afetavam a paisagem urbana. "O que estou fazendo agora é permitir que parte desse espaço seja negociado com publicidade paga", diz.

Desde a posse, em 2013, o prefeito Haddad abandonou a fiscalização da publicidade irregular. Usou um argumento estranho: o de que a Prefeitura só conseguia cobrar 10% das multas. O que poderia ser motivo para investigar se fiscais emitem notificações defeituosas para gerar recursos vitoriosos, virou desculpa para liberar de fato a atividade ilícita. A cidade hoje vê a poluição visual competir com os chamados mobiliários urbanos (pontos de ônibus e relógios).

Além de deixar a cidade mais caótica, trata-se de um tiro no bolso de uma administração que vive reclamando de falta de dinheiro mas deprecia o valor comercial de espaços controlados, que no mundo inteiro garantem arrecadação às prefeituras.

Mas até aí, a lei está em vigor. Bastaria uma ordem do prefeito para o respeito à regra voltar a ser exigido. Se aprovada a lei de José Américo, como vai a plenário amanhã, além de haver cerca de 10 mil pontos novos de propaganda nas ruas da cidade (um em cada face das bancas), cria-se mais uma regra complicada sobre o tema, alienando o cidadão da possibilidade de vigiar. Ao contrário, o sucesso da proibição da publicidade externa a partir de 2006 foi exatamente a sua radical simplicidade .

De exceção em exceção, a cidade vai dando adeus à lei Cidade Limpa, que todos diziam apoiar.


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