Folha de S. Paulo


Ônibus: Falta a autoridade metropolitana

São Paulo tem uma das tarifas de ônibus mais baratas do Brasil, subsidiada pelo IPTU local. Já outras cidades da Grande SP têm passagens caras e lucrativas. Os dados de Origem e Destino mostram que milhões de vizinhos se beneficiam do imposto paulistano, numa transferência de renda escondida.

Outra informação fundamental para a compreensão da mobilidade na região: a ideia de que os ônibus municipais são superlotados é tão falsa quanto a sua oposta, de que veículos circulam vazios no horário de pico. Há tanto carros "batendo lata" (circulando sem passageiros) quanto "latas de sardinha" dependendo do horário, da linha e da região da cidade.

Olhar um fenômeno apenas não ajuda a compreender o sistema. O mesmo ocorre com outros dados publicados nas últimas semanas sobre os ônibus paulistanos. As informações desencontradas divulgadas pela prefeitura mais confundem do que esclarecem a opinião pública.

Em novembro, foi dito que 10% das viagens de ônibus não são realizadas pelas empresas concessionárias, o que provocaria um prejuízo milionário, suficiente para reduzir o aumento da passagem. Foi o maior destaque entre os resultados da auditoria feita pela Ernst & Young desde meados de 2013.

Agora, depois do aumento da passagem para R$ 3,50, foi divulgado que 16% dos ônibus da cidade viajam com lotação superior à desejável. E essa ocorrência é mais comum entre os permissionários (as cooperativas atuantes na periferia).

Nos dois casos, faltou apontar as áreas, horários e tipos de linhas com lacuna maior e a lotação dos veículos. Imagine que 16% dos ônibus da periferia podem estar superlotados enquanto 10% dos veículos do centro ficam parados, sem demanda. É quase natural pensar: vamos mandar os ônibus do centro para a periferia. Mas nada sobre isso foi dito. É como se o "lé" não tivesse relação com o "cré"...

Há muitos mitos e enganos sobre o transporte público na região de São Paulo, e muitos estigmas negativos são reforçados pela imprensa.

Um mito é o de que o sistema é superlotado. Outro é o de que há mais ônibus vazios. Também se engana quem crê que a passagem paulistana é cara: perto de seus vizinhos, é muito barata. Pode-se cruzar toda a imensa cidade por três horas, pegando quatro veículos, ao preço de R$ 3,50. Dois em cada três usuários do Bilhete Único pegam mais de um ônibus. O custo real de cada conexão é cerca de R$ 2,20.

Mesmo quem atravessa grande parte da cidade em um único veículo tem um custo por quilômetro muito menor que o dos moradores de cidades vizinhas que pagam o mesmo para atravessar distâncias de subprefeituras paulistanas. Por isso, a capital subsidia a tarifa, enquanto na Grande SP ela dá lucro.

A prefeitura tem que realizar agora a concorrência para contratar as empresas que vão explorar o sistema de transporte. É uma oportunidade rara de fazer o que precisa ser feito: criar a Autoridade Metropolitana de Transportes.

A Grande SP é a única metrópole importante do mundo sem uma coordenação regional. Sem ela, vamos continuar tendo transportes públicos de qualidade heterogênea, ao sabor do poder político de cada área. E os paulistanos seguirão subsidiando grande parte do transporte dos moradores de São Bernardo, Osasco, Guarulhos, Mauá etc.


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