Folha de S. Paulo


Neste Natal, até Papai Noel quer 'ciclicidade'

Você já se deu conta de como a bicicleta se tornou moda em 2014. Pensa que é só em São Paulo ou no Rio? Não, é no mundo inteiro. Algumas das marcas mais fashion do mundo estão lançando bicicletas, de modo que os melhores designers se debruçam sobre essa maquineta tão bem resolvida há décadas, que parecia não ter nada mais para avançar.

Essa onipresença do veículo de duas rodas movido a gente se deve em grande medida a um fenômeno que a socióloga Elaine da Cruz detectou na mente de seus entrevistados e ao qual deu o nome de "ciclicidade". É um desejo que as pessoas têm e nem mesmo sabiam. A socióloga está sempre entrevistando gente para saber o que preocupa o consumidor. E, nos últimos anos, ela foi detectando desejos difusos por liberdade, saúde, mobilidade, convívio com a cidade e outras questões que se materializaram na ideia da bicicleta, ou melhor, da "ciclicidade".

Então, quando o comprador vai olhar um apartamento, ele quer saber da "ciclicidade": se tem bicicletário, se é perto da ciclovia, etc. Quando procura um emprego ou um escritório, ele pergunta se o prédio tem acesso fácil a transporte público, se tem chuveiro para ciclistas, se tem onde parar a bicicleta, e por aí vai.

O conceito está por trás do morador de São Paulo como uma espécie de zeitgeist, um espírito do tempo que está presente mesmo quando não nos damos conta, mesmo quando ele fere nosso interesse direto. Ele é determinante para formar nossas convicções.

Um exemplo claro disso é a reação positiva da população com as ciclovias do prefeito Haddad, que pipocaram de faixas vermelhas a cidade e das quais ele promete implementar 400 km até o fim de 2015. Hoje, elas são aprovadas por 80% dos paulistanos, o que inclui também milhares de pessoas que andam de carro, não pegam bicicleta e talvez até tenham sido prejudicadas por congestionamentos decorrentes da implantação das ciclovias, como mostrou o Datafolha. A "ciclicidade" supera nossos interesses personalistas!

É ela também que fez da bicicleta o presente de Natal de todas as idades em 2014, depois de passar alguns anos sem ser lembrada até mesmo pelas crianças. Se faz tempo que você não anda e quer comprar uma bike agora, é recomendado que escolha um modelo mais simples, segundo aconselha a repórter e cicloativista Renata Falzoni no guia "Como Viver em São Paulo sem Carro".

O próprio livro, que produzo anualmente com Alexandre Frankel, é uma prova viva de que a preocupação com formas alternativas de mobilidade está em progressão. Quando começamos a pensá-lo três anos atrás, a "ciclicidade" já devia estar coçando a orelha de muitos dos entrevistados. Mas, este ano, quando preparamos a terceira edição, de repente nos demos conta de que a maioria dos entrevistados anda de bicicleta. E todos dizem que sua qualidade de vida melhorou muito desde então.

A mudança pode ser percebida nas ruas. O número de ciclistas aumenta consideravelmente, ano a ano. Reclamar desse novo modal virou antiquado e retrógrado. Afinal, a "ciclicidade" é contagiosa e se espalha como uma febre positiva. Não estranhe, então, se este ano Papai Noel chegar de bicicleta.


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