Folha de S. Paulo


Metrô faz lembrar que SP nasceu da luta entre índios e brancos

São Paulo nasceu do embate entre índios e brancos. Essa origem, que hoje seria considerada politicamente incorreta, está exposta nos nomes de algumas das principais ruas de Pinheiros, em torno da nova estação da linha 4-amarela do metrô, inaugurada no sábado (15).

Como a Folha mostrou no fim de semana, a estação Fradique Coutinho virou ponto turístico. Com isso, ficou deliciosamente cheia de crianças fazendo sua estreia no metrô. Eu ouvi uma delas gritar com um misto de alegria e medo: "Mãe, a gente tá embaixo da terra!".

É uma oportunidade de educar a nova geração nos benefícios do transporte público, já que os adultos paulistanos costumam ser "carrocêntricos", e também conhecer uma faceta bruta dos primeiros moradores da cidade, que se dedicavam a percorrer o Brasil em busca de ouro, pedras preciosas e escravos índios.

Logo que os jesuítas criaram o Colégio de São Paulo, em 1554, e uma vila em volta dele, alguns índios incomodados mudaram-se para a beira do rio que ficava a sudoeste.

Os padres foram atrás e criaram uma pequena missão. Como havia muitas araucárias, foi chamada de Pinheiros aquela parada obrigatória para quem ia para o Sul (Sorocaba ou mais além, o Rio Grande).

Como mostraram as escavações arqueológicas na região do Largo da Batata, uma importante atividade econômica da vila era a venda de bebidas aos viajantes que pousavam quando esperavam para atravessar o rio.

Da mestiçagem da maioria indígena com brancos se formou uma população mestiça que até meados do século 19 preferia falar nheengatu (tupi-guarani) à "última flor do Lácio".

Esses caboclos, nem índios nem brancos, participavam intensamente das "bandeiras" (pequenas tropas organizadas para viajar pelo interior do país em busca de riquezas da terra). Vários deles foram eternizados em nomes de ruas do bairro, em torno da nova parada da linha amarela.

A própria estação inaugurada tem o nome de Fradique Coutinho, bandeirante do século 17, que participou de uma série de combates para dominar as populações indígenas na região de Guaíra (hoje no Estado do Paraná).

Com ele lutavam também Mateus Grou e Mourato Coelho, nomes de ruas paralelas. Os três foram companheiros de armas de Pedroso de Morais, chamado "o terror dos índios", homenageado por uma das principais avenidas do bairro. Todos participaram juntos da "bandeira" liderada por Raposo Tavares, que dominou áreas do Paraná e por isso é nome de rodovia que leva ao Sul.

A influência da cultura bandeirista é tanta que em torno de Pinheiros há dois patrimônios históricos preservados como casas de bandeirantes: uma no início da rua Iguatemi, no Itaim Bibi (destruída nos anos 1980, após o tombamento, uma réplica foi erigida no local); e outra na praça Monteiro Lobato, no Butantã.

Por muito tempo, a via que ligava o centro de São Paulo a Pinheiros se chamou "Estrada de Sorocaba"; depois de subir e descer o grande espigão (da avenida Paulista), tinha uma bifurcação à direita que se chamava "Estrada de Pinheiros". Com sucessivos alargamentos, no fim do século 19 e começo do 20, a estrada de Sorocaba se tornou avenida Rebouças; mas a outra manteve o nome, com a denominação de "rua".

Essa história é reveladora de como erra a burocracia municipal ao produzir placas e guias chamando o logradouro da nova estação do metrô de "rua dos Pinheiros", como se fosse uma alameda ladeada de árvores.

Se você quer conquistar o afeto dos índios e caboclos que moram no velho bairro a oeste da capital, comece por chamar aquela via de "rua de Pinheiros". Ou faça como eles e economize a preposição: "Rua Pinheiros".


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