Folha de S. Paulo


A vencedora é a barata

Escrevo esta coluna sem saber o resultado das urnas. Mas uma coisa ficou clara nas últimas semanas para quem anda a pé pela cidade: a vencedora é a barata.

Você deve ter se dado conta de uma invasão de baratas. Elas estão em todas as esquinas, parecem querer conquistar todos os espaços da cidade; algumas até parecem correr em sua direção enquanto você caminha calmamente na calçada.

E o pior: a barata é responsável pelo mais longo período de continuidade, nunca antes vivido na história deste planeta. Na verdade, ela é vitoriosa há 350 milhões de anos.

Nos últimos dias ela parece ter se tornado ainda mais faceira, mais confiante. E começou a sair de casa ao final do dia, se aventurar para tentar conquistar o mundo.

Há na cidade uma infestação de uma espécie conhecida pelo apelido "barata de esgoto", mas que tem nome e sobrenome: Periplaneta americana. Segundo o pesquisador Marcos R. Potenza, do Instituto Biológico de São Paulo, que me deu uma verdadeira aula sobre o tema, essa espécie se adaptou muito bem aos bueiros e às redes de esgoto. "Esses locais propiciam ambiente favorável à proliferação pela disponibilidade de água, abrigo e alimento."

O senso comum diz que a barata desaparece no inverno e aparece no verão. Mas elas estão ativas o ano todo, embora de fato reduzam a atividade durante o inverno -por causa do frio, ficam mais tempo escondidas. Mas quando chega o verão, se espalham, felizes, levando um monte de ovinhos para espalhar por todo canto.

Agora, quer coisa mais gostosa do que sair de casa depois de uma temporada de recolhimento e ser recebido com um banquete? Não tem nada melhor: esse saco de lixo que você colocou na rua de manhã para esperar o caminhão que vai passar à noite; aquele resto de comida que sua vizinha deixou cair... Nós, paulistanos, somos ótimos anfitriões, solidários com as baratas. E olhe que elas, mesmo que não tenham nada para comer ou beber, podem sobreviver cerca de 30 dias, usando apenas as reservas acumuladas em seus corpos.

Se quiséssemos eliminá-las, precisaríamos de atitudes bem diferentes: limpeza e higienização domiciliar, instalação de veda ralos, caixas de gordura bem vedadas, evitar acúmulo de matérias na garagem, no porão, no telhado e no quintal. Até as caixas de papelão podem ter ootecas, as tais bolas que elas carregam na barriga, cheias de ovos.

Sobre a resistência da espécie, Potenza explica que "as baratas pouco evoluíram em seu formato. O corpo achatado facilita se esconder em vãos e frestas. Desde os tempos mais remotos, as baratas fazem parte da cadeia alimentar em diferentes ecossistemas, servindo de alimento para pássaros, répteis, anfíbios e artrópodes". Mas ele faz uma ressalva: "As baratas não são resistentes à radiação nuclear, é mito".

Um alerta a mais: as baratas ficam em esgotos e bueiros e levam consigo para fora desses esconderijos montes de micróbios. "A Periplaneta americana é um importante vetor mecânico de doenças, carregando aderidos ao seu corpo muitos patógenos." É por isso fundamental cuidar para que elas não tenham facilidades para se multiplicar. A bola está com vocês: limpar a casa, não jogar lixo na rua e ficar sempre atento. Boa sorte. Se não, como diria Machado de Assis: "Ao vencedor, as baratas".


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