Folha de S. Paulo


Para melhorar o trânsito, piore

Ao serem expostas ao conceito de "trânsito induzido" (ou "provocado"), muitas pessoas perguntam: então o que o poder público deve fazer, nada? Em uma palavra, a resposta é essa mesmo: "nada". Explicando um pouco melhor: nada para paparicar os usuários de automóvel, o máximo possível para melhorar a vida de quem anda de transporte público, a pé ou de bicicleta. Ou, ainda sendo mais radical: os governos devem até mesmo fazer alguma coisa para complicar mais o trânsito dos carros particulares, induzindo os motoristas a desistirem.

Há muito tempo, os economistas perceberam que a melhor receita para criar consenso contra a inflação é a hiperinflação. Foi o que aconteceu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial (quando o salário de um trabalhador pobre correspondia a um carrinho de feira de notas de dinheiro) ou mesmo no Brasil do final dos anos 1980 até o início dos anos 1990, quando a taxa de desvalorização da moeda chegou a 80% ao mês. Inflação baixa, mesmo que constante e consistente como temos hoje no país, não é tão convincente para fazer as pessoas aceitarem sacrifícios. Mas quando o dinheiro se esvai a cada semana, todos topam os sofrimentos dos ajustes para alcançar estabilidade monetária.

O mesmo acontece com o trânsito: ninguém deixa o conforto do carro se não se vir obrigado a isso, poucos adotam o transporte público voluntariamente. Algo precisa forçar essa decisão. E a melhor forma é deixar o congestionamento revelar toda a sua gravidade.

O conceito de "trânsito induzido" é fruto da constatação feita por engenheiros de tráfego nos EUA e na Inglaterra, ao observar que toda obra de melhoria viária resultava em congestionamento ainda maior, no médio prazo, depois de alguma melhora inicial. Ao saber que o tráfego ficou bom em certa via ou área da cidade, gente que não usava carro passa a utilizá-lo para suas perambulações diárias.

Inversamente, o trânsito pode ser reprimido, por assim dizer, reduzindo as faixas de rolamento; fechando avenidas; tirando carros particulares de faixas reservadas para transporte público; eliminando vagas de estacionamento nas ruas para destiná-las às ciclovias (como agora propôs a Prefeitura de São Paulo) e restringindo a criação de garagens em áreas centrais (ao contrário do que propôs a mesma Prefeitura no ano passado). Enfim, medidas que agravam as dificuldades para aqueles que, mesmo tendo acesso a transporte público, insistam em andar de carro.

Para quem gosta de olhar o chamado "primeiro mundo": Paris e Nova York fazem um pouco de tudo isso. Inclusive, fecham cerca de 30 km de ruas a cada ano, reduzindo as áreas disponíveis para uso de carros particulares.

Nenhuma dessas medidas, se adotada por aqui, será novidade, portanto: elas já foram todas testadas e avaliadas pelas grandes cidades dos países ditos desenvolvidos, que têm congestionamentos como São Paulo e Rio, apesar de infraestrutura melhor de transportes públicos. O resultado das experiências acumuladas é que aquelas cidades não gastam mais fortunas em dinheiro dos contribuintes para construir soluções viárias para automóveis. Ao contrário: melhoram a vida dos pedestres, dos ciclistas e dos usuários de transporte coletivo, mesmo que, às vezes, atazanando os donos de carros.


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