Folha de S. Paulo


Copa: mais avenidas, mais trânsito

Chegou a hora tão esperada. Vai ter Copa. Em muitas capitais do país obras viárias foram realizadas com objetivo de melhorar o trânsito, apesar de outros países já terem concluído, por estudos de engenharia de tráfego, que aumentar vias não resulta em melhora na fluidez do trânsito. Ao contrário: piora.

É natural que muitas pessoas estranhem a ideia de que construir avenidas provoque mais engarrafamentos: essa informação, afinal, não é divulgada no Brasil.

A suspeita de que existiria um "trânsito induzido", ou provocado, é antiga, de meados do século 20, quando EUA e Inglaterra, depois de construir milhares de quilômetros de ruas, viram seus engarrafamentos aumentarem.

A melhor referência sobre o assunto, penso, é "Empirical Evidence on Induced Traffic" (Evidências empíricas sobre trânsito induzido, de Phil B. Goodwin, ESRC - Oxford, 1996), que reúne dados de várias pesquisas.

O autor revela que em 1938 um estudo britânico já mostrava que logo após a abertura da rota A40, que liga Londres à cidade de Bath, "a nova estrada passou a conduzir 4,5 vezes mais carros do que a via antes existente. Nenhuma diminuição, no entanto, ocorreu no fluxo da estrada antiga e, desde então, a soma da quantidade de automóveis nas duas rotas cresceu consistentemente".

As duas explicações mais comuns para a aparente contradição são o aumento da frota de veículos e a migração do tráfego para as novas vias.

No entanto, exemplos concretos permitem observar o comportamento do trânsito e negar as duas hipóteses. Quando Londres ganhou uma grande avenida para o noroeste em 1970, a M40, os técnicos somaram o crescimento do fluxo de carros na nova via com o trânsito das ruas usadas anteriormente para o mesmo destino. E compararam ao comportamento do trânsito em outra avenida que não teve melhorias (a Finchley Road).

O incremento do número de carros na nova M40 mais as vias antes existentes foi de 14%; ao mesmo tempo, a Finchley teve um crescimento de apenas 2%. A nova rota atraía carros, mas não esvaziava as demais. Na verdade, o conjunto das vias antigas e novas passava a receber mais veículos, numa progressão maior também do que o aumento da frota no país. A nova avenida passou a ser usada por carros que não circulavam até sua inauguração.

Mais do que apenas indicar a existência do aumento de trânsito provocado pela oferta de vias, Phil Goodwin apresenta projeções estatísticas sobre o efeito: "Diversas evidências indicam que a oferta de maior capacidade em vias resulta em ainda maior volume de tráfego" e o conjunto dos estudos revela que nas vias adicionadas o "trânsito cresce 10% no curto prazo e 20% em prazo mais longo".

Depois dos estudos indicarem o fenômeno, o governo britânico anunciou em 1994 que aceitava a premissa de que um aumento do trânsito decorre da criação de obras viárias. Já o Brasil ainda não entendeu que governar construindo estradas (como pregava Washington Luís) cria engarrafamentos.

Considerando que os empreiteiros de obras públicas são os maiores doadores de campanhas eleitorais, é imperioso pensar que esse atraso intelectual de nossos governantes em relação aos de países desenvolvidos pode se dever a uma submissão de seus programas ao interesse das empresas.


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