Folha de S. Paulo


Carro elétrico é prejudicial à saúde

Embora possa diminuir a poluição do ar, o motor elétrico não resolve outros graves problemas decorrentes do uso do automóvel. Portanto, os seus defensores podem "tirar o carro da chuva": mesmo que num passe de mágica toda a frota de veículos das grandes cidades passasse a ser elétrica, ainda assim seria necessário abandonar o seu uso em benefício das formas alternativas de mobilidade.

À medida que o automóvel se caracteriza aos olhos da opinião pública como o "cigarro do século 21" (expressão do urbanista Jaime Lerner), do mesmo modo que viciados em tabaco se agarram ao cigarro-elétrico, os "carro-dependentes" têm defendido o motor elétrico como solução para a sobrevivência do veículo particular. É o caso do colunista da Folha Benjamin Steinbruch, empresário que vende aço para a indústria automobilística e certamente prefere que o cliente mude o jeitão de seu produto a ver a redução radical de suas vendas.

Em artigo no dia 22/4, o presidente da CSN disse achar "pouco pragmática" a crítica ao carro e "mais sensato tentar participar da busca do automóvel do futuro". E perguntou: "Alguém sabe como ele será?" Muitos sabem: os modelos mais avançados são os de motor elétrico, que resolvem uma consequência doentia do uso do carro (a emissão de gases de efeito estufa por queima de petróleo), mas causam congestionamentos e infartos como os veículos do passado.

O trânsito é o maior causador de ataques cardíacos no planeta, como afirma o professor Paulo Saldiva, infectologista da faculdade de Medicina da USP. O mais poderoso causador de cardiopatias na sociedade contemporânea é a cocaína; no entanto, mais pessoas são vítimas de congestionamento do que usuárias da droga, explica o médico.

Saldiva é o principal estudioso brasileiro dos males causados pela poluição e, desde o ano passado, vem estendendo sua pesquisa às outras doenças relacionadas ao trânsito. Com base nos estudos existentes, é possível apontar os congestionamentos como máquinas de causar estresse que, por sua vez, tritura os corações. E engarrafamentos não são afetados pela troca de propulsão dos motores.

Muitos desenvolvimentistas defendem incentivos fiscais à indústria automobilística como forma de induzir o aquecimento econômico. Trata-se de um tiro de bazuca no pé da nação, como todos os moradores das grandes cidades brasileiras já têm notado: o congestionamento se espalha pelos quatro cantos do país, prejudica a economia e principalmente o sistema de saúde. Além disso, o setor emprega cada vez mais robôs (importados) e menos operários. Mais empregos teriam sido criados se o governo federal investisse os mesmos bilhões em construção civil e transportes públicos, em vez de queimá-los em incentivos ao consumo de carros e gasolina (prejudicando inclusive a Petrobras).

Do mesmo jeito que os inventores do motor a combustão não basearam o carro nos cavalos nem imaginaram aviões que batessem asas como pássaros, pensar o veículo do futuro como um mero sucedâneo reformado do carro do passado só vai levar à sobrevivência de problemas atuais. Como em todas as revoluções científicas e tecnológicas, para vencer os desafios da mobilidade e do aquecimento global é necessário ressetar as mentes em vez de buscar no passado as soluções para o futuro.


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