Folha de S. Paulo


A Copa dos sujos é nossa

Já chegamos derrotados ao ano da tão esperada Copa do Mundo, passando vergonha. Mesmo que a seleção "Canarinho" fique com a taça, já é nosso o troféu de cidade suja, como verão todos os turistas que virão ao Brasil para o torneio! E nada sugere que vamos conseguir mudar essa marca ao longo do primeiro semestre.

Há vários anos alguns setores da sociedade, como o sindicato dos trabalhadores em limpeza urbana (Siemaco), vêm reclamando campanhas educativas permanentes para tentar mudar o mau hábito de sujar o espaço público, tão característico de nossa gente, como um elemento importante da preparação do Brasil para a Copa. Mas nada foi feito e pelo jeito chegaremos à estreia com estádios novos, aeroportos em obras e ruas cheias de lixo. Só o Rio tem feito uma campanha mais ostensiva para mudar o comportamento do carioca.

Há um frequente erro de pontaria que faz brasileiros reclamarem dos governos diante de problemas que eles não causam e nem têm como resolver. É uma "estatização da indignação". Parte da culpa é certamente do jornalismo que, por razões que não cabe especular aqui, coloca o poder público como "outro lado" mesmo em reportagens nas quais os governos têm pouco a dizer: a calçada quebrou; fulano foi atropelado; tem lixo na rua, o que diz a Prefeitura? (A pergunta é feita mesmo quando os problemas são de responsabilidade de um ou alguns cidadãos)...

O que se projeta dessa expectativa de onipresença é a imagem de um Poder Público que deveria dar conta de tudo e de todos como se ele fosse um monstro onipresente e asfixiante, o "Leviatã" imaginado por Thomas Hobbes (1588-1679). Mas o Estado não é tudo isso, tanto por incompetência quanto porque não queremos (por isso mesmo as constituições democráticas atribuem tantos limites ao poder dos governantes).

Ao mesmo tempo, enquanto olha para o poder público a toda hora, a população deixa impunes os maiores culpados de boa parte das mazelas da cidade: as pessoas físicas, comuns.

Quem joga lixo nas ruas? Cidadãos. Então, se a cidade está suja, por que culpar o governo por não limpar? É um caso semelhante ao que já há muito se fala sobre a cobertura de casos de corrupção: enquanto o noticiário se volta exclusivamente para agentes públicos corrompidos, poucas são as notícias sobre os facínoras que corrompem.

No caso da outra sujeira, a do lixo no espaço público, é preciso olhar e agir contra os cidadãos que descartam detritos nas ruas. Limpar uma cidade de 11 milhões de habitantes que sujam todos os cantos é impossível ou custa uma montanha de dinheiro que não é justo gastar, tirando investimento de escolas e hospitais ou mesmo do transporte público. Basta pensar que se não tivesse que gastar tanto com varrição de ruas, a prefeitura poderia em poucos meses acabar com todo o déficit de vagas em creche. Ou manter congelada a tarifa de ônibus por muitos anos.

Enquanto a população condescender com o mau hábito e continuar culpando o poder público pelo que ela mesmo faz, nos restará apenas disputar o título da Copa das Cidades Mais Sujas do Mundo.


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