Folha de S. Paulo


Prefeito construtor ou zelador?

Se era medida sabidamente impopular, responsável por abater sua aprovação, por que o prefeito Haddad empenhou tanto esforço em aumentar o IPTU, atropelando cuidados políticos e jurídicos importantes, como os que levaram ao cancelamento da medida na Justiça? A razão principal aparecia entre as alegações da prefeitura para a alta: realizar obras prometidas na campanha eleitoral.

Desde os anos 1920, no Brasil, os políticos fixaram a ideia de que "governar é construir". Referia-se originalmente a estradas o lema criado pelo presidente Washington Luís; foi perpetuado e ampliado com afinco por seus sucessores.

Muitos seguiram o mandamento, sendo os mais dedicados discípulos Juscelino Kubitschek, os ditadores Emílio Médici e Ernesto Geisel, José Sarney, FHC e Lula, que elegeu a sucessora com o plano de obras chamado PAC.

O padrão é acolhido também por políticos municipais. Paulo Maluf se tornou o arquétipo do realizador de grandes obras, especialmente viárias. Depois dele, todos os seus concorrentes procuraram imprimir a mesma imagem à sua biografia política.

Falando só de razões republicanas, a motivação de tamanho espírito empreendedor reside na aprovação que acarreta. Maluf foi o político paulistano que por mais tempo manteve alto nível de popularidade.

Em 2006, ao assumir o governo municipal com uma capacidade de investimento ainda menor que a da atual gestão, o prefeito Gilberto Kassab foi forçado a mostrar que a lógica não é necessariamente verdadeira. Sem dinheiro para construir e precisando realizar uma gestão marcante, mirou-se no exemplo da cidade de Nova York, que gasta a maior parte de seu orçamento com "zeladoria". Tinha também em mente, entre outros exemplos, a alta aprovação do prefeito Fernando Pimentel (hoje ministro), em Belo Horizonte, atribuída à eliminação dos camelôs do centro e à limpeza da Pampulha.

Kassab elegeu a poluição visual como vitrine. Mas também investiu em zeladoria quando recapeou grande parte das vias; criou a Operação Delegada com a Polícia Militar e garantiu o abastecimento de remédios nas farmácias do SUS. Comparadas ao custo de grandes obras viárias, são todas realizações baratas.

O resultado positivo foi imediato. A lei Cidade Limpa foi a principal alavanca para sua reeleição. Todas as outras ações apareceram com destaque nas razões de aprovação de sua primeira gestão, mostrando que o eleitor brasileiro pode reconhecer e premiar outro paradigma de gestor.

No segundo mandato, Kassab manteve mais investimento para manutenção do que para infraestrutura, mas dois movimentos acabaram por eclipsar a imagem de zelador em vez de consolidá-la. Encomendou projetos de possíveis obras futuras, que foram vistas como se estivessem para ser iniciadas; e dedicou-se à construção de um novo partido político, o PSD.

Ao tentar sucedê-lo, os principais candidatos fizeram campanhas antigas, baseadas em propostas de obras. E agora Haddad perde o apoio da cidade tentando obter dinheiro para cumprir essas promessas, enquanto descuida da limpeza e manutenção da cidade, como mostrou a Folha (22/12).

Quem sabe em alguns anos poderemos deixar para trás a antiquada ideia de que "governar é construir" e instaurar um modelo mais sustentável, como "governar é zelar pelos bens e serviços públicos".


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