Folha de S. Paulo


A discórdia no Ministério Público sobre as palestras de Lula

Trechos do depoimento do ex-presidente Lula à Polícia Federal, no dia 4 de março, reforçam uma das principais divergências entre procuradores que investigam o petista, separadamente, em Brasília e Curitiba.

Afinal, o dinheiro das empreiteiras para pagar palestras de Lula teria saído do esquema de desvios da Petrobras ou do lobby dele para construtoras assinarem contratos no exterior com a ajuda do BNDES? Obviamente, nenhuma alternativa é boa para ele, mas a questão expõe uma falta de consenso na Procuradoria.

*Nas palavras reservadas de um procurador que atua em Brasília, o juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Lava Jato, dá sua contribuição à discórdia ao "tentar vincular todos os esquemas de corrupção com a Petrobras para levar tudo para Curitiba".

Vale destacar um trecho do depoimento de Lula em 4 de março. O ex-presidente afirmou ao delegado Luciano Flores de Lima que faz "propaganda" do Brasil em suas palestras no exterior. "E a empresa ganha o quê?", perguntou o delegado.

*Lula então respondeu: "Interessa para a empresa, interessa para a empresa. Quanto é que você acha que os empresários brasileiros ganharam quando o Brasil estava em alta? Quando o país está em alta, meu filho, todo mundo ganha. É como o time do Barcelona, quando o time está em alta todo mundo ganha, quando o time está em baixa, você pode vender ouro que você não ganha".

E justamente aí mora o ponto da discórdia no Ministério Público. A Procuradoria da República no DF abriu no ano passado uma investigação para apurar a suspeita do crime de tráfico de influência de Lula em favor da Odebrecht em países africanos e latino-americanos.

*Investiga-se se a empreiteira bancou palestras de Lula para aumentar suas chances de assumir obras no exterior sob intermediação do BNDES. Lula seria, neste roteiro, um lobista da construtora lá fora (convencendo governos) e também aqui dentro, usando sua influência no banco de fomento estatal. Não há propina de Petrobras.

*O ex-presidente depôs em Brasília no dia 15 de outubro, quando negou ter "interferido" em contratos celebrados entre BDNES e empresas.

*Se a Petrobras não aparece na história apurada na capital federal, o BNDES inexiste na de Curitiba. Lula, suspeitam os procuradores federais no Paraná, teria cometido os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro ao celebrar contratos de palestras para receber sua parte da corrupção na Petrobras.

*Ao todo, R$ 9,9 milhões de R$ 21 milhões recebidos por sua empresa LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda. vieram dos cofres de empreiteiras investigadas na Lava Jato, entre elas a Odebrecht.

*"Embora o ex-presidente seja pessoa de elevado prestígio político, inclusive internacional, no contexto do esquema criminoso da Petrobrás, esses valores, assim tão expressivos, não deixam de chamar a atenção", disse Moro, no despacho que autorizou a operação de 4 de março.

*Entre procuradores do DF, o raciocínio é outro. O petista cobra das empreiteiras em média US$ 200 mil por palestra no exterior, um valor em tese, na interpretação deles, pequeno no contexto dos desvios milionários da Petrobras.

Faria então mais sentido, de acordo com essa avaliação, que o dinheiro tenha sido recompensa pelo lobby feito por Lula para um país contratar a construtora com o respaldo do BNDES. Um "modus operandis" deflagrado, por exemplo, em Angola e na Venezuela, países visitados pelo petista às custas da Odebrecht.


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