Folha de S. Paulo


Dilma dá início à sua missão (quase) impossível

"O Brasil é um país que surpreende pela capacidade de fazer as coisas simultaneamente", afirmou a então ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), conforme registrou a Folha em 16 de fevereiro de 2006.

Na véspera, Dilma levara ao Congresso a mensagem do governo Lula para a abertura do ano legislativo.

Há exatos dez anos fazia um calor insuportável em Brasília, e deputados e senadores estavam mais entusiasmados em assistir aos Rolling Stones no Rio, naquele fim de semana, a discutir o documento do Planalto.

A canção favorita do senador petista Delcídio do Amaral, que presidia a CPI dos Correios, na época em reta final de investigação do mensalão, era "Sympathy for the Devil". "Sempre fui roqueiro, eu odeio pagode", disse sobre sua experiência no show em Copacabana.

A mensagem de Lula ao Congresso foi lida em plenário para 200 deputados e senadores. Nos bastidores dos trabalhos técnicos estava o discreto Raimundo Carreiro, então secretário-geral da Mesa.

Emissária da mensagem presidencial, Dilma havia assumido a Casa Civil oito meses antes em substituição a José Dirceu, defenestrado do Planalto em meio ao terremoto das denúncias de Roberto Jefferson sobre o mensalão.

De volta para o futuro, dez anos depois. Os trabalhos legislativos de 2016 começam para valer em Brasília nesta terça (16) em ebulição e com os presidentes da Câmara e do Senado sob fogo da Operação Lava Jato.

O enredo da nova temporada é muito mais grave política e economicamente do que o de 2006 (apesar da turbulência da crise do mensalão naquele momento) ou de qualquer outro período recente.

Você pode passar um tempo fora da capital federal (no meu caso, dois anos e meio, como correspondente da Folha em Londres), o roteiro certamente vai mudar, mas seus protagonistas, nem tanto.

Condenado no escândalo do mensalão, José Dirceu está preso pela Operação Lava Jato e Lula cada vez mais cercado por ela.

Agora ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Raimundo Carreiro acaba de se afastar da relatoria do processo sobre acordo de leniência entre a empreiteira UTC e o governo. É suspeito de recebimento de propina.

Até Mick Jagger vai dar novamente as caras por aí, mas sem ter na plateia o senador Delcídio, na cadeia desde novembro também em razão da Lava Jato.

Dilma, hoje presidente em segundo mandato, tem a partir desta terça-feira a missão quase impossível de convencer os líderes no Congresso, sobretudo os de sua base de apoio pouco confiável, a aprovar a CPMF e a reforma da Previdência para ajudar a socorrer uma economia em frangalhos.

Ao mesmo tempo, precisa manter sob controle a baixa temperatura do processo do seu impeachment na Câmara, encarar a batalha da cassação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ainda combater o vírus da zika, que atormenta o país e desgasta dia após dia a imagem do Brasil no exterior.

A presidente terá de fazer valer para ela o que disse sobre o Brasil há uma década: surpreender pela capacidade de fazer várias coisas (no caso dela, superá-las) simultaneamente.


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