Historiadores brasileiros produziram obras excelentes nos últimos anos, mas o trabalho de encontrá-las equivale ao do britânico que pretende escavar um lixão na tentativa de recuperar um disco rígido com 7.500 bitcoins. Para achar uma boa história, o interessado precisa enfrentar amontoados de estudos com abstrações incompreensíveis, palavras envelhecidas e frases cheias de resíduos descartáveis.
Muitos professores se ressentem comigo e outros jornalistas que escreveram bestsellers de história do Brasil. Pois um bom jeito de reduzir nossa vantagem é aprendendo, por exemplo, a usar o ponto final.
Nós jamais escreveríamos trechos como este: "A expectativa de salvaguardar a autoridade moral dos senhores, embora limitada pela legislação emancipadora que reconhecia o direito escravo ao pecúlio e, portanto, à liberdade forçada contra a vontade senhorial, também é evidenciada pela proibição legal da liberalidade direta de terceiros em ações cíveis de liberdade visando à alforria de escravos alheios, já que as ações deveriam ser dos próprios escravos."
No idioma das teses e dissertações de história, "conseguir enriquecer" vira "agenciar estratégias de acumular pecúlio". "Amizade" muda para "laços de compadrio". Algumas palavras só existem em livros didáticos de história, e por ali abundam. É o caso de "produção manufatureira", um substituto feinho para "fabricação".
Repare neste trecho e diga se uma pessoa normal tem prazer em encará-lo: "A narrativa, aparentemente excepcional, não se restringe entretanto a episódios da vida pessoal de Godinho, ao contrário, trata de coletivos mais amplos, constituindo-se, quiçá, em uma 'janela privilegiada' para o mundo dos homens de cor livres em diferentes localidades do império português, na segunda metade dos Setecentos."
"Quiçá": o autor usou o termo "quiçá". Que tipo de pessoa usa o termo "quiçá", leitor? Muita pompa e pouca habilidade –eis uma causa do estilo entediante dos historiadores. Acreditam que escrever em bom português exige utilizar palavras antigas. Mas como George Orwell afirmou no ensaio "Política e Língua Inglesa", defender a língua não consiste no "resgate de palavras e fraseados obsoletos", mas em "jogar no lixo todas as palavras e expressões que esgotaram sua utilidade".
Tudo bem que o objetivo de autores acadêmicos não é vender milhares de cópias, e sim comunicar descobertas aos colegas. Mas um pouco de clareza sempre ajuda na argumentação –e evita que os estudos apodreçam nos aterros de teses e dissertações das universidades.
Quiçá alguns jornalistas não estejam aptos para escrever sobre história do Brasil. Mas boa parte dos historiadores não está apta para escrever sequer um recado de geladeira.