Folha de S. Paulo


Safatle deveria acolher viciados em crack no bairro onde vive

Vladimir Safatle disse num artigo da semana passada que o arrastão de João Doria na Cracolândia foi motivado por desejos de "revitalização da área' e valorização imobiliária da região".

Sem querer, Safatle encontrou uma solução para o problema da Luz. Basta chamarmos os viciados em crack para transferir suas barracas e montanhas de lixo para os arredores da casa do filósofo. Já que Safatle não considera legítimo moradores revitalizarem o bairro onde vivem e proprietários tentarem valorizar seus imóveis, certamente acolherá os craqueiros com toda generosidade.

Com essa simples tacada conseguiríamos satisfazer o desejo de todos os envolvidos. Safatle teria realizada sua vontade de lutar contra a especulação imobiliária. O preço das casas do seu bairro despencaria; os imóveis ficariam acessíveis aos mais pobres.

Os viciados em crack viveriam numa vizinhança muito mais tranquila (o Butantã, vamos admitir, é mais arborizado e confortável que a Luz). E os proprietários do Centro atingiriam seu objetivo frio, mesquinho e calculista de possuir imóveis que não parecem cenário de "Walking Dead".

Outros críticos disseram que a ação da prefeitura foi higienista e que é preciso retomar políticas de redução de danos e de "assistência social, habitação e assistência à saúde". Houve até quem montasse a estranha campanha "a Craco resiste".

Não acredito que a ação de João Doria vai funcionar. Pareceu, de fato, mais uma tentativa de se emplacar no Jornal Nacional que uma estratégia consistente. Mas os críticos precisam admitir que suas recomendações já foram implantadas em São Paulo. E resultaram em fiasco.

Na gestão Haddad, o programa de redução de danos Braços Abertos alojou viciados em hotéis e deu trabalho remunerado aos que prometessem reduzir o consumo. Criou-se assim a "bolsa crack". Viciados mal apareciam para trabalhar e passaram a ter dinheiro para comprar a droga.

Donos dos hotéis desistiram de participar do programa porque viram suas propriedades se transformarem em cracolândias privadas. Manoel de Costa Souza, administrador de três hotéis que abrigaram viciados, disse à "Veja SP" que eles roubaram maçanetas, chuveiros, torneiras e até fios elétricos para trocá-los por crack. Num dos hotéis, o Seoul, houve um incêndio provavelmente causado por cachimbos esquecidos acesos.

Ainda não se encontrou uma solução definitiva para o problema do crack; essa droga tem um poder incrível de transformar usuários de todas as classes sociais em mendigos. A boa notícia é que, enquanto buscamos uma solução, os viciados ficarão muito melhor alojados nos arredores da casa de Vladimir Safatle.

Descaminhos da cracolândia


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