Folha de S. Paulo


'Dor de pagar' explica insatisfação com a Previdência chilena

Não tem jeito: o que parece grátis é mais gostoso. Mesmo que não seja grátis de verdade. Mesmo que o preço oculto seja maior que o visível. Costumamos preferir o que parece grátis —e isso explica reclamações de eleitores e diversas notícias dos jornais.

É o caso da polêmica sobre a cobrança de bagagem nas viagens aéreas. Como notou Ana Estela de Sousa Pinto, a bagagem nunca foi grátis: todos pagam por ela, mesmo quem só viaja com a roupa do corpo. A separação da cobrança possibilita passagens mais baratas para quem puder viajar sem malas, como acontece na Europa. Mas não adianta: temos a sensação de que só agora teremos de pagar pela bagagem.

Essa tendência também explica a insatisfação dos chilenos com a Previdência privada, tema de reportagem da Folha de domingo. Para um brasileiro, a seguridade chilena dá inveja: a conta das contribuições é individual, não há rombo da Previdência, por isso a dívida pública do país é uma das menores do mundo. Por que, então, tantos chilenos reclamam?

Porque o custo da aposentadoria é visível todo mês no contracheque e além dele não há nenhum benefício que pareça grátis. Chilenos contrários ao modelo defendem a criação de impostos para financiar as aposentadorias. Quem pagaria esses impostos? Os próprios chilenos que se aposentariam. Ou seja, a medida só esconderia o custo do sistema. O que dá pra entender: é mais legal se aposentar quando a aposentadoria parece grátis.

O psicólogo Dan Ariely chama esse fenômeno de pain of paying, "dor de pagar". Temos aversão ao sentimento de perda de patrimônio criado pelo gesto de pagar. Por causa dessa aversão, as pessoas gastam mais quando pagam com cartão de crédito. A sensação de ver as economias indo embora é maior quando pagamos em dinheiro vivo.

Um dos experimentos de Ariely consiste em oferecer a seus alunos duas formas de pagar por um pedaço de pizza. Na primeira opção, o pedaço (que rende dez mordidas) custa US$ 3. Na segunda opção, os participantes pagam US$ 0,25 por mordida. Faz mais sentido econômico escolher o pagamento por mordida (por ele o pedaço custaria US$ 2,50). Mas como nesse caso a dor de pagar é maior, a experiência fica menos prazerosa.

Chilenos estão cansados de pagar toda mordida da pizza da Previdência. Gostariam de desfrutar a aposentadoria sem a dor de pagar por ela, mesmo que no fim a conta seja maior.

A dor de pagar também explica por que tanta gente defende serviços públicos e se opõe a privatizações. Estradas ou universidades públicas parecem grátis: dificilmente as relacionamos aos impostos embutidos na compra no supermercado, à dívida pública, à hiperinflação dos anos 1980. Quando a privatização torna o custo evidente por meio de pedágios e mensalidades, causa uma chiadeira geral.


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