Folha de S. Paulo


Nobel de 2017 reforça a necessidade de mudanças na ciência econômica

Karime Xavier/Folhapress
Richard Thaler durante visita a São Paulo em 2008
Richard Thaler durante visita a São Paulo em 2008

Em artigo publicado na última terça-feira (10) no Project Syndicate sobre a escolha de Richard Thaler como vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2017, o ganhador do prêmio em 2013, Robert Shiller, celebrou a notícia e fez questão de ressaltar que foi uma escolha controversa: "para alguns na profissão, a mera ideia de que a pesquisa psicológica deve ser parte da economia vem gerando hostilidade por anos".

Segundo Shiller, Thaler não era sequer cumprimentado por seu colega da Universidade de Chicago e vencedor do Nobel de 1990, Merton Miller, que em artigo de 1986 defendeu que as evidências de comportamento não racional –objeto de pesquisa de Thaler– continuassem sendo ignoradas na construção de modelos: "não porque essas histórias sejam desinteressantes, e sim porque elas podem ser interessantes demais e, assim, desviar-nos das forças generalizadas de mercado que deveriam ser nossa principal preocupação", escreveu.

O comportamento otimizador dos agentes e a hipótese das chamadas expectativas racionais, segundo a qual, em média, uma população de agentes está correta sobre o que ocorrerá no futuro, servem para fundamentar, por exemplo, a Hipótese dos Mercados Eficientes (HME).

Em sua versão forte, a HME postula que os preços dos ativos financeiros refletem toda a informação disponível sobre tais ativos, ajustando-se rapidamente às novas informações. Não seria possível para um agente comprar uma ação abaixo do seu preço justo ou vendê-la acima desse preço, por exemplo.

Enquanto Robert Shiller questionou a HME por meio do estudo de bolhas financeiras geradas pela chamada exuberância irracional de agentes movidos pelo sentimento do mercado, Thaler concentrou-se em realizar experimentos que mostrassem desvios do comportamento racional otimizador.

Em coluna nesta Folha de 18/9/2015 mencionei o artigo intitulado "Keynes's beauty contest" de Richard Thaler publicado no jornal Financial Times em 10 de julho de 2015, que relata o resultado de um de seus experimentos.

Keynes considerava que os agentes do mercado financeiro operavam não a partir das informações que tinham disponíveis sobre os ativos em questão, e sim com base na percepção sobre o que fariam os outros agentes, em média. Mas se os agentes sabem que os demais agentes agem dessa forma, o jogo passa a ser o de adivinhar o que os demais agentes vão achar que os demais agentes vão achar, e assim por diante. O resultado é que os preços dos ativos financeiros descolam-se completamente de qualquer fundamento real.

O experimento de Thaler ofereceu um prêmio aos leitores do jornal Financial Times que adivinhassem o número de 0 a 100 o mais próximo possível de dois terços do valor do palpite médio dos demais leitores. Assim, o leitor de nível 1 pensaria que a média de palpites seria 50 e escolheria 33, dois terços de 50. O leitor de nível 2 pensaria que os demais leitores escolheriam 33, chutando 22. O leitor de nível 3 pensaria que os demais são leitores de nível 2, escolhendo 15, e assim por diante. A média dos palpites da pesquisa foi de 18,9 em 1997 e 17,3 em 2015, com o palpite vencedor sendo 13 e 12, respectivamente.

Se a "analogia do concurso de beleza de Keynes continua uma descrição apta de como os mercados financeiros funcionam", como concluiu Thaler, talvez o Nobel de 2017 possa servir para que analistas econômicos e membros de governos parem de atribuir toda e qualquer alta na bolsa de valores a melhoras no cenário econômico real.


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