Folha de S. Paulo


Novos motores são necessários para evitar outra década perdida

Ainda que tenha contado com a ajuda de fatores temporários, como a supersafra de soja e o saque de contas inativas do FGTS, os números do PIB do primeiro semestre sugerem que a economia do país parou mesmo de piorar. O fundo do poço chegou cerca de um ano depois do previsto, mas chegou. Ufa!

A pergunta agora é se o que teremos pela frente é uma década de relativa estagnação do PIB per capita, como nos anos 1980, ou de expansão da renda média dos brasileiros e geração de empregos formais, como nos anos 2000.

Para responder a essa pergunta, é importante lembrar que o crescimento observado durante o milagrinho dos anos 2000 teve quatro motores principais.

Os dois primeiros foram o maior acesso ao crédito e os instrumentos de distribuição da renda: a criação do crédito consignado, a valorização mais acelerada do salário mínimo e a universalização dos programas de transferência de renda, em particular, contribuíram para estimular o consumo das famílias, elevar as vendas das empresas e, assim, os investimentos privados.

Em meio ao desemprego alto, à renda estagnada e ao alto endividamento herdado desse período, os saques de contas inativas do FGTS atuaram como um atalho para uma retomada circunstancial do consumo das famílias.

Uma recuperação do consumo capaz de reduzir de uma vez por todas a capacidade ociosa das empresas e pôr fim às sucessivas quedas nos investimentos privados depende de aumentos mais substantivos da renda e do nível de emprego.

Isso porque uma expansão do crédito não é um caminho desejável ou sustentável de retomada em meio ao alto endividamento e à estagnação da renda que ainda marcam o contexto atual.

Mas, se uma recuperação substantiva do consumo das famílias e dos investimentos privados requer uma retomada da própria economia, seria necessário algum outro motor —mais autônomo— para nos tirar da estagnação.

Nos anos 2000, um outro pilar do crescimento, e talvez o mais importante deles, foi o aumento da demanda pelos produtos que exportamos, que, por sua vez, deveu-se em grande parte ao desempenho excepcional da economia chinesa.

Embora o cenário externo desfavorável que se seguiu àquele período também pareça ter chegado ao fim, não há dinamismo suficiente em vista na economia mundial para que esta volte a atuar como um motor de crescimento da economia brasileira.

Por fim, o quarto pilar dos anos do milagrinho foram os investimentos em infraestrutura. O crescimento maior da economia e o boom nas commodities abriram espaço no Orçamento para uma expansão média dos investimentos do governo federal de 25,6% ao ano entre 2006 e 2010, conforme os dados apresentados no "Texto para Discussão" nº 2.215, do Ipea.

Entre 2002 e 2006, por exemplo, esses investimentos haviam caído 0,6% ao ano, em média. Já nos períodos 1994-1998 e 1998-2002, a queda havia sido de 5,1% e 1,2%, respectivamente. Entre 2010 e 2014, houve retração anual média de 0,4%.

Como ficou claro desde 2015, essa é a rubrica que mais sofre cortes em meio às restrições orçamentárias.

Ou seja, sem uma revisão da PEC do teto de gastos, é seguro afirmar que os investimentos públicos em infraestrutura não atuarão como motor de crescimento na próxima década.

A extinção em curso dos mecanismos de financiamento de longo prazo a juros subsidiados também deve dificultar que o setor privado assuma esse papel.

Para evitar outra década perdida, não basta parar de cavar o fundo do poço. É preciso parar de destruir as cordas que nos permitiriam sair dele.


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