Folha de S. Paulo


Na economia, o todo é diferente da soma das partes

Pedro Ladeira - 11.jul.17/Folhapress
Senadoras do PT sentaram na cadeira da Presidência do Senado e impediram votação da reforma trabalhista
Senadoras do PT impedem votação da reforma trabalhista, na terça (11)

Hoje em dia, para livrar-se do trânsito, basta seguir a rota sugerida por um aplicativo da moda. Mas o algoritmo de um bom aplicativo deve estar preparado para mudar a rota quando o trânsito piorar porque todo o mundo resolveu seguir a rota inicialmente indicada.

De mesma forma, em um estádio de futebol, é só ficar de pé para enxergar melhor. Salvo quando todos resolvem levantar-se. Nesse caso, todos perdem visão e conforto.

As chamadas falácias da composição consistem em afirmar que o todo possui a mesma propriedade que as partes que o integram.

Na economia, essas falácias impedem que raciocínios que valem para um agente econômico —uma família ou uma firma, por exemplo— possam ser transferidos para o sistema econômico como um todo. Daí a importância da distinção entre a macro e a microeconomia.

Talvez a falácia da composição mais conhecida na macroeconomia seja o chamado paradoxo da poupança —um dos elementos centrais no desenvolvimento da economia keynesiana e do princípio da demanda efetiva.

Em suma, se uma família resolve consumir menos, sua poupança será maior. Mas, se todas as famílias tomam a mesma decisão, cai a demanda agregada e a própria renda nacional, fazendo com que a poupança total não aumente.

Um outro paradoxo macroeconômico refere-se ao endividamento. Se uma família ou empresa decide gastar menos para pagar suas dívidas, o seu nível de endividamento cai em relação à sua renda. Mas, se todas as famílias, firmas e governo resolvem cortar seus gastos ao mesmo tempo para pagar suas dívidas, a renda nacional cai e o endividamento total aumenta em relação ao PIB.

Da mesma forma, na teoria de deflação de dívidas de Irving Fisher, grandes depressões surgem quando muitos agentes ao mesmo tempo resolvem pagar suas dívidas por meio da venda de seus ativos: o resultado é que o preço dos ativos cai e o endividamento líquido sobe.

Outra falácia da composição está na essência das chamadas guerras fiscais: o Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadando mais, mas, se todos os Estados reduzem impostos, nenhum deles torna-se mais atrativo do que o outro e todos perdem arrecadação.

Por fim, todo empresário sabe que reduzir o custo com a mão de obra é uma forma muito eficaz de ganhar competitividade em relação aos seus concorrentes e/ou aumentar seu lucro.

Mas, se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais.

E os exportadores, por sua vez, só ganham competitividade junto a concorrentes estrangeiros que não tenham seguido a mesma estratégia. Sabemos que não é esse o caso de boa parte do mundo globalizado nas últimas décadas.

E o que é pior. Se vale o chamado paradoxo dos custos de Kalecki, uma redução generalizada de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor, reduzindo vendas e lucros.

Em outras palavras, de nada adianta ter uma fatia maior de um bolo menor.

É por essas e outras que a reforma trabalhista aprovada na terça-feira (11) pelo Senado deve, no futuro, decepcionar até mesmo os empresários que a apoiaram. Na verdade, iludem-se os que hoje acham que só os trabalhadores pagarão o pato.


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