Folha de S. Paulo


Injustiças sobrevivem na versão 2.0 da reforma da Previdência

Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
Os deputados Arthur Maia (relator) e Carlos Marun (presidente) na comissão especial que analisa a proposta de reforma da Previdência
Arthur Maia (relator) e Carlos Marun (presidente) na comissão especial da reforma da Previdência

A comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (9) o texto alterado da reforma da Previdência que irá a plenário.

Apesar da defesa quase uníssona na grande mídia da necessidade de uma reforma nos moldes exatos que estavam sendo propostos —ou era aquilo ou o colapso—, algumas das alterações feitas em comissão reduziram excessos do texto original.

Se eram bodes na sala ou se tais mudanças foram resultado da pressão exercida pelas mobilizações em todo o país, não sabemos. Mas em qualquer um dos casos fica mais difícil confiar nos analistas que fizeram uma defesa incondicional da versão beta da reforma, chegando até a argumentar que as novas regras beneficiariam os mais pobres.

Não à toa, a nova campanha publicitária do governo, em vez de sustentar que a reforma atacará privilégios, girará em torno dos direitos preservados em razão dos recuos no texto.

Em um dos vídeos, por exemplo, um atleta paraolímpico esclarece que nada muda para os portadores de deficiência. A campanha esquece-se de informar que, no texto original, não era o caso: a desvinculação do BPC (Benefício de Prestação Continuada) permitiria uma redução no valor do benefício para abaixo do salário mínimo, a depender da boa ou da má vontade de governos e Congressos futuros.

Como destaquei em artigo nesta Folha em 30/3, os pontos da reforma que mais afetariam os mais vulneráveis eram justamente as alterações no BPC e a exigência de 25 anos de tempo mínimo de contribuição para os trabalhadores mais pobres. O aumento da idade mínima, ao contrário, atinge sobretudo os que têm renda maior.

No que tange ao BPC —benefício recebido por portadores de deficiência e pelos idosos de mais de 65 anos com renda per capita familiar inferior a um quarto de salário mínimo—, a proposta original incluía não apenas a desvinculação do salário mínimo mas também o aumento da referida idade para 70 anos. O texto novo alterou essa idade para 68 anos.

Além disso, os trabalhadores rurais não teriam mais a exigência de 25 anos de tempo mínimo de contribuição, que foi reduzido para 15 anos no novo texto.

Não que 15 anos contribuindo sejam factíveis para a maior parte desses trabalhadores, mas o fato é que o texto original essencialmente eliminava a possibilidade de aposentadoria no campo.

Para os trabalhadores urbanos mais pobres, no entanto, continua a valer o tempo mínimo de 25 anos de contribuição. Dados o grau de informalidade em nosso mercado de trabalho e a enorme dificuldade em contribuir por todo esse tempo, boa parte desses trabalhadores terá de permanecer na ativa muito após os 65 anos de idade.

Como destacou o pesquisador Marcelo Medeiros, do Ipea, em artigo nesta Folha em 9/4, isso "talvez não pareça excessivo para quem se dedica a tarefas intelectuais", mas "a massa de trabalhadores de baixa renda no Brasil está na construção civil, nos empregos domésticos, na limpeza, na manutenção e em outras ocupações que exigem esforço físico intenso demais para idosos".

Muito mais razoável seria que os trabalhadores urbanos com idade mínima para aposentar-se que tenham entre 15 e 24 anos de contribuição pudessem optar pela aposentadoria recebendo o mínimo, como sugeriu Medeiros.

O texto da reforma enviado ao plenário se, de um lado, não incrementou o combate aos privilégios, de outro, continua atingindo os mais pobres.


Endereço da página:

Links no texto: