Folha de S. Paulo


Realidade econômica ignora a retórica política

Pedro Revillion/Palácio Piratini
PANAMBI, RS, BRASIL, 26.07.13: - Inauguração da nova fábrica Brunning Tecnometal com investimentos de R$ 80 milhões. Foto: Pedro Revillion/Palácio Piratini Indústria - fotos públicas
Fábrica de peças no Rio Grande do Sul; economia não reflete indices de confiança

O Jornal "Valor Econômico" alertou na segunda-feira (14), em manchete quase lacaniana, que, "sem endosso da realidade, (a) economia se descola da expectativa". A reportagem destaca o completo descolamento, desde outubro de 2015, dos índices de confiança construídos a partir das expectativas futuras dos agentes –consumidores e empresários– daqueles que se baseiam na situação atual da economia.

Esquece-se de notar, no entanto, que mesmo os índices de confiança baseados na situação atual estão completamente descolados da própria realidade econômica do país, que se agrava a cada dia.

Em 2011, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman criou um personagem místico –hoje mundialmente conhecido– para ironizar a defesa do corte de gastos públicos como solução para a crise econômica. Krugman combatia a ideia de que, se os governos cortassem seus gastos, e só por isso, uma fadinha da confiança apareceria para recompensá-los com investimentos e gastos do setor privado, estimulando a economia.

Em debate com Krugman em março de 2015, Robert Skidelsky, professor emérito da Universidade de Warwick e biógrafo de John Maynard Keynes, defendeu a ideia de que a retórica da austeridade, por mais equivocada que fosse, poderia deteriorar as expectativas dos agentes o suficiente para tornar fracassada uma política de estímulo fiscal em meio à crise. Krugman, no entanto, insistiu que a mera retórica e seu efeito sobre as expectativas não seriam suficientes para alterar o resultado de políticas, fossem elas equivocadas ou acertadas.

Em artigo publicado pelo jornal "The Guardian" cerca de um mês depois, em 22 de abril do ano passado, Skidelsky admitiu estar errado naquela ocasião.

"O fator confiança afeta o processo decisório do governo, mas não afeta o resultado de suas decisões. A não ser em casos extremos, a confiança não pode fazer com que uma má política obtenha bons resultados, e sua ausência não pode fazer com que uma boa política obtenha maus resultados, não mais do que pular de uma janela, com a crença equivocada de que seres humanos podem voar, eliminaria o efeito da gravidade", afirmou.

EXPECTATIVA X REALIDADE - Índices de confiança se descolam da situação atual da economia

As inúmeras frustrações de suas projeções de crescimento levaram o próprio FMI a atribuir seus erros ao efeito negativo das políticas de cortes de gastos em meio à crise.

E assim, alguns anos depois de seu nascimento, a fadinha da confiança passou a contar com menos confiança do que a fadinha dos dentes ou mesmo o velho e bom Papai Noel.

Diante do ceticismo cada vez maior nos Estados Unidos e na Europa, a fadinha resolveu mudar-se para os trópicos, onde descobriu uma legião de fiéis. Aqui, o misticismo anda em alta mesmo com o fracasso retumbante do corte de gastos e investimentos públicos desde 2015 como forma de estímulo aos investimentos privados ou de estabilização da dívida pública.

Sem qualquer preocupação em transformar uma convicção ideológica em uma predição científica passível de refutação, a resposta é sempre de que, se não há sinais de retomada, é porque a política não foi realizada com vigor suficiente.

Diante do descolamento entre a confiança dos agentes e a economia real, opta-se por considerar que fatores inesperados fizeram com que a economia se descolasse das expectativas. Os crentes não admitem que as expectativas possam estar contaminadas pela retórica política, e que, sendo esse o caso, a economia não necessariamente vai obedecê-las.


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