Folha de S. Paulo


Dominância política

Alguns economistas atribuíram a não elevação da taxa Selic na mais recente reunião do Copom a um cenário de dominância fiscal, no qual os sucessivos deficit orçamentários do governo estariam forçando o Banco Central a manter a taxa de juros em um patamar abaixo da que controlaria a inflação, para impedir uma explosão da dívida pública.

Apesar de a manutenção da Selic ter elevado um pouco as expectativas inflacionárias, a taxa de câmbio apreciou na última semana e já atingiu um patamar mais baixo do que o que vigorava antes da reunião, e o cenário recessivo continuará freando a expansão dos salários e a inflação de serviços.

A decisão do Banco Central, portanto, se justificaria plenamente a partir da utilização de seus próprios modelos econômicos por seu corpo técnico altamente qualificado. O recurso às projeções de crescimento do FMI na nota publicada por Tombini às vésperas da reunião do Copom apenas serviu para desnudar o caráter político de uma decisão que, nesse caso, poderia ter sido técnica.

O mesmo não vale, por exemplo, para sua atuação no primeiro semestre de 2015, quando, diante do reajuste brusco nos preços administrados, o BC elevou sucessivas vezes os juros e prejudicou o controle da dívida pública, sem nem sequer obter sucesso no controle da inflação. Não é difícil vislumbrar a que interesses estava atendendo naquele período.

Talvez seja melhor atribuir a atual irracionalidade da política econômica –fiscal e monetária– ao que ousaria chamar de um cenário de dominância política. É claro que não há política econômica eficaz sem um pacto político que a sustente, mas uma política econômica construída apenas com base em apoios políticos também não é chave para o sucesso.

Na dominância política, a fragilidade das bases de sustentação do governo é tão exacerbada que a necessidade de costurar acordos traz o atendimento às pressões dos setores com alta representação para o centro da formulação da política econômica. A avaliação do seu impacto sobre o crescimento econômico, a inflação e o bem-estar da população fica relegado ao segundo plano.

Nesse quadro, não surpreende que as políticas desenhadas apresentem inconsistências, pois buscam atender a grupos de pressão diversos, que por sua vez têm peso político maior ou menor ao longo do tempo. O problema é que políticas equivocadas do ponto de vista econômico acabam por aprofundar a dominância política, na medida em que a falta de crescimento e a inflação mais alta acirram os conflitos distributivos e fragilizam ainda mais uma eventual base de sustentação.

O debate econômico, por sua vez, fica enfraquecido. Por um lado, restringi-lo ao que é viável politicamente significaria abrir mão de apresentar as soluções mais eficazes. Por outro lado, ignorar as restrições políticas nos condena ao plano mais abstrato da disputa entre teorias e diagnósticos, que servem sobretudo para dar base técnica aos diferentes grupos de pressão.

Nos resta comemorar as raras ocasiões em que a correlação de forças coincide com uma atuação da política econômica que se justifica do ponto de vista de seu impacto sobre a economia como um todo. Foi esse o caso da mais recente reunião do Copom. Bom Carnaval!


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