Folha de S. Paulo


O muro no fim do túnel

Na semana que vem, poderá ser votada pelo Senado a emenda proposta pelo senador José Serra que visa estabelecer limites globais para as dívidas consolidadas líquida e bruta da União.

O projeto fixa um teto para a dívida bruta de quatro vezes a Receita Corrente Líquida (RCL) e para a dívida líquida de 1,5 vez a RCL.

O texto estabelece também um prazo de 15 anos para que seja feita esta convergência, a uma velocidade constante de um quinze avos por ano. Hoje esses valores estão em 5,4 e 2,1 vezes a RCL, respectivamente, bem acima dos limites propostos.

Mas o que realmente salta aos olhos é que, no caso da dívida líquida, não há nenhum ano na série histórica em que tal limite foi cumprido, ainda que esse coeficiente tenha caído progressivamente de 3,1 em 2002 para 1,7 em 2013.

Quanto à dívida bruta, que não deduz o valor dos ativos do governo, a proporção foi reduzida de 5,9 em 2002 para 4,8 em 2013, e apenas em 2008 ficou abaixo do teto da proposta.

O esforço para o cumprimento da proposta exigiria, portanto, 15 anos de austeridade no Brasil. E ainda assim, não haveria qualquer garantia de satisfação do critério, já que a dinâmica da dívida pública (mesmo em proporção à RCL) não depende apenas da ação do governo e da boa vontade do Congresso, mas também das taxas de juros, da taxa de câmbio, da taxa de inflação e do próprio crescimento econômico.

Os resultados desastrosos do ajuste promovido neste ano revelam que tais cortes permanentes de gastos públicos poderiam servir apenas para eliminar qualquer possibilidade de retomada do crescimento econômico, sem promover nenhuma melhoria na situação fiscal.

Mas por incrível que pareça, os potenciais malefícios para a sociedade de uma proposta como esta vão muito além de perenizar a crise que estamos vivendo.

Nos Estados Unidos, um dos sete países no mundo que adotam um teto para a dívida (os outros sendo Malásia, Quênia, Namíbia, Paquistão, Polônia e Dinamarca), essa restrição levou a um rebaixamento da nota do país pela Standard & Poor's em 2011, mesmo sem haver nenhum risco de default e das taxas de juros pagas sobre a dívida estarem próximas de zero.

Em 2013, sem que o presidente Obama conseguisse costurar um aumento desse teto no Congresso, o governo teve de mandar para casa por 16 dias cerca de 800 mil funcionários públicos, deixou de pagar empresas fornecedoras por serviços prestados e fechou a Estátua da Liberdade, o Grand Canyon e mais de 400 outros pontos turísticos federais.

O "shutdown" levou a uma redução no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano da ordem de 0,6% no trimestre, de acordo com estimativas feitas à época pela Standard & Poor's, levantando críticas contundentes de economistas e agentes do mercado financeiro à lei sobre o teto da dívida.

No caso da proposta brasileira, após os 15 anos de transição, o governo também passaria a ficar proibido de contratar novas operações de crédito se eventualmente ultrapassasse o limite estabelecido.

Não é difícil imaginar os rebaixamentos de nota por agências de classificação de risco e o caos gerado por medidas drásticas que teriam de ser tomadas em tal situação.

Assim, como se já não bastasse impor à sociedade mais 15 anos de crise, no fim do túnel não necessariamente encontraríamos a luz.


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