Folha de S. Paulo


Haddad mostra que esquerda ficará um bom tempo no fundo do poço

O impeachment de Dilma Rousseff e a surra nas eleições municipais de 2016 não ensinaram nenhuma lição para a esquerda brasileira. Ao menos é o que demonstrou a entrevista desta Folha com o ainda prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT).

Para começar, o petista determinou: "A Nova República terminou." Para ele, o impeachment –que ele, numa rara demonstração de consciência, já se negou a chamar de "golpe", mas mudou de discurso depois de ser achincalhado por caciques do partido– marca o começo de um retrocesso de um século. "Vamos voltar ao padrão primário-exportador do começo do século passado."

Concordo com ele. O golpe de 16 é só o começo. Depois dele, ainda vêm a revogação da Lei Áurea, a cassação dos direitos políticos das mulheres, a volta da palmatória e do voto censitário. Afinal, como sabemos, a sociedade só avança quando o PT está no poder. Pena que Lula não existisse em 1500 para descobrir o Brasil.

É dessa maneira caricata que a sociedade enxerga a narrativa do "golpe" e o consequente "retrocesso histórico". Depois do desastre econômico e moral dos governos petistas, é suicídio político insistir nessa fantasia, ainda mais depois que as eleições americanas mostraram que nem a ajuda da imprensa salva um discurso falido.

Para Haddad, um dos principais motivos da queda do PT foi uma interpretação equivocada das manifestações de 2013. Segundo o prefeito, os protestos aconteceram porque as "classes médias tradicionais" estavam incomodadas com uma suposta perda de poder, pois estariam "espremidas entre ricos cada vez mais ricos e pobres menos pobres".

Limitar a discussão usando rótulos, como o de que a classe média é raivosa e tem inveja do sucesso alheio, é outra boçalidade que, além de prejudicar o debate político –e, portanto, a democracia–, faz com que a esquerda fique cada vez mais restrita a uma minoria de radicais.

Para qualquer pessoa sensata, é um absurdo sustentar que só negros podem falar sobre negros, só gays podem falar sobre gays, só mulheres podem falar sobre mulheres ou só japoneses podem falar sobre japoneses. A razão é única e universal. Pessoas de diferentes cores, sexos, religiões e classes sociais podem debater e formar consensos. Não é preciso ser doutor em filosofia para entender isso.

O prefeito, é claro, aproveitou para criticar a PEC 241, dizendo que a emenda seria o "ato institucional número um do novo regime", igualando um projeto aprovado por mais de três quintos de uma Câmara dos Deputados democraticamente eleita –com mais votos do que a Dilma, aliás– a uma medida autoritária.

O petista afirma que trabalhou para diminuir a dívida da cidade de São Paulo, mas critica a PEC do teto pois, segundo ele, com o aumento da demanda por serviços públicos de qualidade, "a conta não vai fechar".

Mais uma vez, o velho discurso demagógico e irresponsável da gastança. A emenda foi criada justamente porque a conta não estava fechando. Enquanto a propaganda petista prometia mais saúde, mais educação, mais segurança, mais-o-diabo-que-você-quiser, os gastos irresponsáveis corriam soltos, e áreas fundamentais sofriam cortes. A sociedade já entendeu que um milhão de promessas significam zero resultado.

Por fim, Haddad conclui, e este é o destaque da entrevista, que as próximas disputas se darão entre a "direita" e a "extrema-direita". O que é "direita"? Mais curioso ainda: o que é "extrema-direita"? Acredito que fechar o Congresso Nacional para governar na base da propina é radicalismo. Posso, então, chamar o PT e seus aliados de "extrema-esquerda".

Enquanto a esquerda insistir em limitar o debate e a rotular seus adversários como extremistas, sua atuação política se resumirá a masturbações ideológicas em bares descolados.


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