Folha de S. Paulo


Começo do verão em Florença

Em 1961, no final de meu primeiro ano em Cambridge, meu orientador perguntou se eu gostaria de visitar Florença. A viagem duraria um mês e seria em junho. Seríamos recebidos pelo British Institute.

Fui à Itália no começo daquele verão, com dois outros alunos. Fizemos um curso sobre a Renascença italiana no instituto e fomos muito bem cuidados por um jovem e descabelado inglês. Visitamos restaurantes maravilhosos e contemplamos a paisagem curvilínea da Toscana.

O British Institute foi fundado em 1917. Primeiro instituto cultural britânico no exterior, ele foi oficializado por uma carta patente real em 1923.

O instituto se tornou o modelo para as atividades mundiais posteriores do British Council. Nosso anfitrião real em Florença foi Harold Acton, filho de Arthur Acton e de uma rica herdeira de Chicago, Hortense Lenore Mitchell. Ela adquiriu a Villa la Pietra, na Via Bolognese, em 1903, para Arthur, e Harold nasceu lá, em 1904. Hortense morreu em 1962, um ano após nossa estadia. A villa agora é da Universidade de Nova York e usada como centro de pesquisa.

Harold Acton estudou em Eton e depois na escola Christ Church, de Oxford. Era da turma de Evelyn Waugh e Graham Greene. Acton foi poeta e esteta precoce. Muitos afirmam que ele serviu de modelo ao arrogante homossexual Anthony Blanche em "Brideshead Revisited", romance de Waugh. O escritor, porém, disse mais tarde que o personagem era "dois terços Brian Howard, um terço Harold Acton". Howard era poeta e homossexual ostensivo e um dos "bright young things" da Londres dos anos 20. Suicidou-se nos anos 50 após a morte acidental de um amante. Waugh comentou que "as pessoas pensam que o modelo foi só Harold, um homem muito mais doce e são".

Acton estava muito mais interessado em nosso colega caribenho, embora todos os três fôssemos sempre incluídos em seus convites. Na época, eu era excessivamente ingênuo, e o nosso terceiro colega se tornou sacerdote na Igreja Anglicana.

Ele nos levou ao castelo Montefugoni para visitar Sir Osbert Sitwell, que estava doente demais para nos receber –visitamos o castelo guiados por um empregado. E Acton fez com que o velho cassino de Bagni di Lucca, o mais antigo da Itália, fosse aberto especialmente para nós.

Acton nos fez uma palestra absolutamente maravilhosa, naquele grandioso edifício, mofado e deserto, sobre o "Decameron" de Giovanni Boccaccio. Não surpreende que Pier Paolo Pasolini tenha transformado o "Decameron" em filme, em 1970. Ainda que ele não fosse capaz de se equiparar àquela memorável tarde em que Harold Acton nos contou as histórias de Boccaccio no cassino de Bagni di Lucca.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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