Folha de S. Paulo


Comércio e poder

Lawrence Summer não economiza na hipérbole. Esta semana, o antigo secretário do Tesouro norte-americano e antigo reitor da Universidade Harvard comparou a votação da Câmara dos Deputados que resultou na rejeição prática da Parceria Comercial Trans-Pacífico (TPP), à rejeição pelo Senado ao compromisso do presidente Woodrow Wilson de que os Estados Unidos adeririam à Liga das Nações.

"Embora as consequências não devam ser nem de longe tão profundas, a votação da Câmara na semana passada condenará a Parceria Trans-Pacífico", ele escreveu em sua coluna no "Financial Times", segunda. A decisão "enviaria um sinal negativo semelhante sobre a disposição dos Estados Unidos de assumirem a responsabilidade em um momento crítico para o sistema mundial".

A votação sobre a TPP, ou melhor, a votação sobre não conceder ao presidente Barack Obama a autoridade para negociar acordos comerciais sem direito à emenda da parte do Congresso, a chamada "autoridade para promoção do comércio", ou TPA, é a questão essencial que está em jogo. A derrota de Obama, além disso, foi comandada por Nancy Pelosi, líder do Partido Democrata na Câmara dos Deputados e até agora a mais confiável aliada de Obama no Legislativo. O possível dano à autoridade de Obama nos 19 meses de mandato que lhe restam é severo, especialmente porque ele fez da "virada para a Ásia" uma de suas principais iniciativas políticas.

Apenas um em cada quatro democratas da Casa apoiaram Obama na semana passada. E a campanha da sucessão dele como presidente já está em alta velocidade, com Hillary Clinton no lado democrata e Jeb Bush no lado republicano.

Isso também é um mau presságio para a adesão do Congresso a um acordo nuclear com o Irã, embora Obama tenha declarado que, como o acordo não será um tratado, não requererá aprovação pelo Congresso. O mesmo, aliás, vale para qualquer suspensão pelo Congresso das medidas punitivas contra Cuba, que garantiria uma das realizações singulares de Obama na política externa. O fracasso da TPP só vai agravar o desalento na Ásia.

Também coloca em risco a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que está sendo negociada simultaneamente entre a Europa e os Estados Unidos. Os críticos dizem que ela aumentará o poder das grandes empresas e tornará difícil para os governos regulamentar mercados em defesa do interesse público.

Assim, não é só Dilma Rousseff que enfrenta um Congresso renitente. Ela e Obama pelo menos terão isso em comum quando se reunirem em Washington, na Casa Branca, em 30 de junho. Mesmo que os dois pareçam cada vez mais almas perdidas, procurando por Godot.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: