Folha de S. Paulo


Meganegócios e megaproblemas

O fenômeno continua muito estranho. O Brasil parece comprometido em contemplar o próprio umbigo, como se o resto do mundo não importasse muito. Como se seus problemas fossem criados por ele mesmo, ou preocupações exclusivas dos brasileiros. E como se todos problemas fossem políticos.

Mas isso vai de encontro à realidade. É verdade que Dilma aparentemente prefere visitar La Paz ao Fórum de Davos e conviver com os líderes dos Brics a se unir aos líderes que marcharam contra o atentado terrorista em Paris. Mas o Brasil é mais do que isso.

Para mencionar apenas um exemplo, as fusões e aquisições mundiais registraram US$ 811 bilhões nos primeiro trimestre, 21% acima do período em 2014. A maior transação até agora foi a tomada de controle do grupo Kraft pelos brasileiros da 3G Capital, criando uma companhia avaliada em mais de US$ 100 bilhões, incluídas as dívidas. A transação não envolveu um grande banco internacional, mas sim Warren Buffett. É um bom exemplo de cortes impiedosos, talento de gestão e exploração inteligente de parcerias internacionais, traços da 3G.

Mas se os brasileiros são capazes de megatransações, os problemas são megaproblemas, e também são internacionais.

O Banco da Inglaterra iniciou uma avaliação de riscos mundiais para determinar se os bancos britânicos estão em posição de enfrentá-los. Serão considerados seis cenários para os próximos cinco anos, e quatro deles envolvem o Brasil. De acordo com o "Financial Times", os cenários incluem desaceleração no crescimento chinês de 7% a 1,7%; alta na volatilidade dos mercados; queda nos preços do petróleo a US$ 38 por barril; depreciação das moedas de mercados emergentes ante o dólar; e um exame dos resultados do declínio brasileiro. Uma das questões será "como esses choques afetarão as companhias de mercados emergentes que têm dívidas em dólares e não contam com hedge completo, ou não dispõem de ativos ou receitas em dólares que se equiparem aos passivos".

É claro que algumas companhias brasileiras, especialmente as agrícolas, se beneficiam da desvalorização do real porque são pagas em dólares e seus custos são bancados em reais, o que as levou a elevar as exportações. Mas a Petrobras está presa a um ciclo ominoso como parte do qual seus principais executivos estão expostos a acusações de violar as leis empresariais norte-americanas e brasileiras em uma queixa revisada apresentada à Justiça federal norte-americana, onde o juiz ordenou que processos por fraude financeira abertos por investidores que adquiriram American Depository Receipts (ADRs) da Petrobras sejam unificados em forma de processo coletivo. Será uma festa para os advogados.

Como escreveu John Donne, "nenhum homem é uma ilha". O Brasil tampouco, decerto.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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