Folha de S. Paulo


Cidadão Blair

Tony Blair foi o primeiro-ministro que governou o Reino Unido por mais tempo (1997-2007), vencendo três eleições consecutivas. Foi-lhe atribuído o crédito por salvar a monarquia britânica após a morte da princesa Diana. Blair personificava o "novo trabalhismo", o Partido Trabalhista britânico reinventado, pró-mercado, neoliberal, que deixara para trás o domínio exercido pelos sindicatos. Ele serviu como comparsa de George W. Bush em intervenções no Afeganistão, depois do 11/9, e no Iraque, em 2003.

Foi afortunado ao escolher a hora de partir, substituído por Gordon Brown um ano antes da pior crise financeira desde 1929. O colapso do Lehman Brothers foi seguido por operações de resgate do governo britânico a diversos bancos. A Europa até agora não se recuperou. Desde 2007, porém, Blair segue um caminho bem conhecido.

Ao estabelecer suas empresas, foi assessorado pela KPMG, em Londres, e pelo advogado Robert Barnet, que assessorou Bill Clinton em suas lucrativas operações pós-presidenciais. A configuração das empresas de Blair é perfeitamente legal, e "sociedades limitadas" não são obrigadas a publicar suas contas, sob a lei inglesa. Henry Kissinger estabeleceu a norma para tal tipo de "consultoria", tanto em termos de lucratividade quanto de sigilo do cliente.

O JP Morgan pagou US$ 10 milhões a Blair desde 2008. Ele também assessora a seguradora suíça Zurich, o governo de Abu Dhabi e o presidente Nursultan Nazarbayev, do Cazaquistão. Desde 2012, a Tony Blair Associates também assessora Geraldo Alckmin na "modernização" dos serviços públicos de São Paulo, como parte do projeto "São Paulo 2030".

O "Sunday Times" revelou nesta semana o que definiu como "o acordo secreto de Blair com os sauditas", que envolvia pagamentos para permitir acesso aos seus contatos. A PetroSaudi, petroleira que tem entre seus fundadores o príncipe Turki bin Abdullah Al Saud, pagava 41 mil libras/mês e uma comissão de 2% sobre os projetos que Blair ajudava a intermediar. A PetroSaudi tem projetos em Gana, Indonésia, Venezuela, Tunísia e Malásia.

Blair certamente prosperou. Tem uma casa na qual John Adams viveu como primeiro embaixador dos EUA em Londres, uma mansão que foi do ator sir John Gielgud.

Blair menciona seu papel como enviado (não remunerado) ao Oriente Médio do "quarteto" formado pela ONU, EUA, União Europeia e Rússia, bem como seu trabalho filantrópico na Faith Foundation e na África. "O objetivo não é ganhar dinheiro, mas fazer a diferença", disse a fiéis do novo trabalhismo no 20º aniversário de sua eleição como líder do partido.

Talvez. Deveria recordar Jimmy Carter, cujas atividades pós-presidenciais sem dúvida tornaram o mundo um lugar melhor, sem que isso lhe valesse muito dinheiro no processo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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