Folha de S. Paulo


Tiroteio

A mal humorada e polarizadora campanha presidencial brasileira parece um tiroteio à moda antiga, e seu resultado ainda está longe de certo. Quem quer que seja eleito neste domingo (26) terá de trabalhar dobrado para juntar os cacos. Existem duas questões que deveriam preocupar os brasileiros quanto ao futuro.

A primeira é uma preocupação interna: como o Brasil enfrentará o flagelo da corrupção endêmica. O caso da Petrobras é o mais recente exemplo de um problema crônico que continua a ocorrer quando política, financiamento eleitoral, empresas estatais, empreiteiras, partidos políticos, propinas e comissões se entrelaçam, em proximidade clandestina, tóxica e egoísta.

Resolver o problema será difícil. Muita gente está com a mão na massa. O fedor da corrupção macula todo o sistema, e transparência e prestação de contas são os antídotos óbvios. Mas conseguir transparência e prestação de contas é difícil quando tanta gente nos setores público e privado se beneficia tão intensamente da manutenção do status quo.

O segundo desafio envolve a relação ambígua entre o Brasil e o mundo. A corrupção tem ramificações internacionais, especialmente no caso da Petrobras. Agências regulatórias norte-americanas, como a Securities and Exchange Commission (SEC), ao que se sabe estão investigando a questão.

Os mercados mundiais estão preocupados com a possibilidade de um calote venezuelano, combinado à deterioração das perspectivas da Ucrânia, que em dezembro precisa pagar dívida de US$ 3 bilhões com a Rússia. E tampouco está claro que o PT ou o PSDB tenham muito a oferecer quanto ao sangrento impasse do Oriente Médio, quando ao aventureirismo russo, quando à desaceleração da economia da China, as implicações da estagnação europeia, o ebola na África Ocidental ou a paralisia política nos EUA. Mas a partir do ano que vem tudo isso pode afetar as perspectivas econômicas, políticas e diplomáticas brasileiras.

O Brasil decerto tem realizações. Tanto o PT quanto o PSDB fizeram muito, nos últimos 20 anos, para oferecer vida melhor e melhores oportunidades a muitos brasileiros. Mas nem Dilma e nem Aécio dão crédito um ao outro por essas realizações.

Ironicamente, o pleito pode ser decidido pelas vicissitudes do clima e da falta de chuva. Um quarto dos eleitores vive em São Paulo. Segundo pesquisas, paulistas acreditam que o governo estadual, há muito controlado pelo PSDB, não agiu efetivamente. A escassez de água é mais aguda em torno da metrópole de São Paulo. É lá que vivem os mais pobres. É lá que as mulheres pobres, especialmente, se beneficiaram mais das políticas do governo Dilma. Numa eleição incrivelmente disputada, o voto delas pode decidir.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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