Folha de S. Paulo


Brics por obrigação

A presidente Dilma Rousseff, do Brasil; Vladimir Putin, da Rússia; o primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia; o presidente Xi Jinping, da China; e Jacob Zuma, da África do Sul, se reuniram em Fortaleza (CE) na sexta conferência de cúpula do grupo Brics.

Brics é um acrônimo concebido por Jim O'Neill, então vice-presidente de economia mundial no Goldman Sachs, em 2001, para descrever grandes economias emergentes. O objetivo não era que a sigla servisse como descrição geopolítica. China e Índia, por exemplo, eram rivais históricos. A ideia era só um conceito para os bancos de investimento.

O conceito Brics foi lançado quando o mundo vivia um momento "monopolar". Washington estava ascendente. Os EUA eram vistos como a única superpotência no planeta e dominavam as instituições financeiras mundiais. A União Soviética havia desabado. O dólar era a moeda de referência.

Mas o mundo mudou dramaticamente. Houve os ataques terroristas de 11 de Setembro a Nova York e Washington; a distensão do poderio dos EUA no Iraque e Afeganistão; o advento de uma amarga divisão partidária em Washington; o colapso financeiro de 2008; a ascensão de uma Rússia assertiva, com a anexação da Crimeia, e o apetite insaciável dos EUA por espionar, não apenas potenciais terroristas, mas também aliados como Angela Merkel e Dilma Rousseff.

Esses fatores mudaram as regras do jogo. Os Brics têm em comum a antipatia pelos EUA, mas não estão sozinhos nisso. Menos de 40% dos alemães consideram os EUA como parceiro confiável. A maioria dos norte-americanos já não confia em Obama, e menos de 30% deles confiam na Presidência como instituição.

A despeito do continuado ceticismo quanto aos Brics, seu papel se extendeu por obrigação. Após a cúpula em Fortaleza, seus líderes se reuniram com os presidentes da América do Sul em Brasília. A caminho do Brasil, Putin visitou Cuba (onde se encontrou com Fidel e Raúl Castro, e cancelou todas as dívidas cubanas com a Rússia que existiam desde a era soviética). Visitou a Argentina (onde expressou apoio à reivindicação do país às ilhas Falklands/Malvinas). A cúpula evitou criticar a Rússia por suas ações na Ucrânia.

A conferência em Fortaleza anunciou o lançamento de um Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, com capitalização inicial de US$ 10 bilhões de cada membro. A sede será em Xangai, e o primeiro presidente, indiano. Os Brics também se comprometeram a estabelecer um fundo de reserva em moedas locais, e com isso evitar o uso do dólar.

São pequenos passos, mas um começo importante. Apesar das diferenças entre eles, os Brics começam a se transformar em importante força, que deverá ser levada em conta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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