Folha de S. Paulo


Vida real e modelo mental

Interrompo, com este artigo, uma colaboração de mais de três anos com a Folha, período durante o qual tive a oportunidade participar de um diálogo construtivo e racional entre os universos do campo e da cidade.

O Brasil e o mundo transformaram-se radicalmente e a uma velocidade impressionante no último meio século. Mas a maior parte das ideias, crenças e imagens com que as pessoas interpretam a realidade da vida evoluem a um ritmo muito mais lento, algumas delas ainda ancoradas num passado quase remoto.

Esta falta de sincronia entre os fatos da vida cotidiana e o modelo mental das pessoas está por trás de muito conflito e muito desentendimento na arena política.

Este espaço foi precioso para mim e para os produtores rurais. Precisamos mostrar a todos os brasileiros, especialmente aos que vivem nas grandes cidades, que nossa economia rural de hoje é algo muito diferente da imagem que está cristalizada em suas mentes.

Aos brasileiros, sempre se ensinou que desenvolvimento econômico e industrialização eram quase sinônimos e que a agricultura era uma expressão do nosso atraso. Muitas gerações cresceram com este estereótipo que lhes fechou os olhos para as mudanças ocorridas no país.

No passado, de fato, a fazenda tradicional era menos um espaço produtivo do que instrumento de reserva de valor e riqueza e meio de dominação política, numa sociedade só marginalmente urbana.

O esforço de industrialização era o caminho correto e foi vital para a transformação do país em todas as áreas, inclusive e no tempo oportuno na própria produção rural.

A industrialização trouxe desafios novos ao Brasil. Nos primeiros momentos, ficou claro que a produção rural que tínhamos, especializada na exportação de dois ou três produtos no seu setor mais moderno e com um setor tradicional produzindo para o mercado doméstico, era um obstáculo ao desenvolvimento.

Nem produzia receita cambial suficiente para as necessidades de importação da indústria e do consumo urbano, nem sequer atendia à demanda interna de alimentos.

A consequência foram a inflação e as crises cambiais e de abastecimento. E, na esteira de tudo isso, vinham as crises políticas.

Felizmente, para países afortunados, crises produzem soluções. A partir dos anos 70 de século passado, uma revolução transformou o campo no Brasil. A agricultura e a pecuária tornaram-se, aos poucos, vanguarda do crescimento brasileiro.

Uma vanguarda baseada na tecnologia da agricultura tropical, na adaptação de terras antes dadas como inaptas à produção e, principalmente, no advento do novo agricultor brasileiro, que trouxe as virtudes e os riscos do capitalismo para a economia rural.

Esse novo agricultor não guarda quase traço algum do velho fazendeiro acumulador de terras e avesso ao risco e à mudança. Ao contrário, ele acredita no trabalho de longo prazo e seu limite é o mundo.

Em pouco tempo, o Brasil tornou-se autossuficiente, livrando o país das velhas limitações da capacidade de importar e das crises de balanço de pagamentos. O setor rural é, hoje, um espaço produtivo e não um espaço cultural ou político autônomo. Em vários sentidos, pode-se dizer que a agricultura atual é tão urbana quanto a indústria.

Mas, além de lutar contra as vicissitudes do tempo e dos mercados, que são suas lutas naturais, o homem do campo brasileiro ainda tem que resistir à imagem que movimentos políticos querem lhe atribuir.

Tentam confundi-lo com fazendeiros de 50 ou 100 anos atrás, trazendo insegurança jurídica e econômica à sua atividade e maldizendo todo o progresso que ele conseguiu realizar.

Nosso papel, como representantes do setor, tem sido sobretudo o de desconstruir essas falsas imagens e ameaças reais que elas implicam. E, nessa tarefa, nossos argumentos não são simples exercício de retórica, mas fatos que, hoje, não deveriam escapar ao conhecimento da maioria dos brasileiros.

Das lutas do agricultor, esta é a mais difícil e incompreensível para ele. Mas, aos poucos, as vitórias vão aparecendo aqui e ali e isso nos motiva a dar outros passos.

Obrigada aos leitores, por sua valiosíssima atenção. Ao Grupo Folha, a gratidão dos mais de 5 milhões de produtores do agronegócio brasileiro, que tiveram a sua realidade discutida neste privilegiado espaço.


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