Folha de S. Paulo


Excluindo o protagonista

Os gregos, que há mais de dois mil anos inventaram a modernidade e que, por mais que façamos, não conseguimos superar, demonstraram também que, para entender a realidade, é indispensável identificar o que de fato a conduz. Toda atenção é pouca para o ator que está no centro da cena e cuja atuação decide o destino de todos.

E quem não presta atenção aos protagonistas não consegue entender as tragédias e as comédias. Muito menos a história.

Esta foi uma das primeiras lições que aprendi, como líder de setor, e que me fez estarrecer nesta semana, por causa da notícia do adiamento do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Prevista para o ano que vem, a pesquisa foi deixada de lado por falta de recursos, num sinal de que há outras prioridades estatísticas.

Essa decisão significa, simplesmente, que o atual protagonista da economia brasileira, cujos resultados contribuem de forma decisiva para conter os efeitos da crise e melhorar as contas e a performance do país, deixará de ter processadas informações fundamentais para planejar futuro ainda mais promissor.

É mais do que hora de atualizar a fotografia do "quem produz o que no campo". Precisamos ampliar o foco para onde estão e como vivem esses produtores, de modo a esmiuçar não só os aspectos humanos e sociais -como educação e saúde-, mas também os ambientais e relativos a produção, tecnologia, produtividade e situação fundiária.

Dados atuais da realidade são matéria-prima preciosa e insubstituível para definir políticas e investimentos públicos e privados e orientar a extensão rural, levando conhecimento ao homem do campo.

Esperamos ansiosos pelo Censo Agropecuário de 2015, pois o último data de uma década atrás e não nos serve de bússola, posto que a imagem ali projetada não corresponde ao que somos. Naqueles tempos, o Brasil dependia menos do agro para garantir o saldo positivo de sua balança comercial, embora já trabalhássemos no azul, com US$ 38,5 bilhões de superavit.

Hoje, porém, o agronegócio é responsável por 44% das exportações brasileiras e, sem a contribuição do setor, a balança comercial teria fechado com deficit de US$ 80 bilhões no ano passado.

Nesse mesmo período, a safra de grãos -principal item da pauta de exportação- ficou 68% maior, enquanto a área plantada cresceu apenas 16%, com o aproveitamento de pastagens degradadas.

A formidável engrenagem de que dependem as colheitas envolve compulsoriamente toda a sociedade, a começar pelo elementar: quem não é consumidor de alimentos, afinal? A produção rural e o sucesso do agronegócio pressupõem acerto nas políticas públicas, infraestrutura, regras estáveis e agências de controle. E todas as formulações são condicionadas a dados estatísticos, como as séries históricas, essenciais ao estabelecimento de índices e ao planejamento.

Sem o censo de 2015, o segmento econômico mais competitivo do Brasil se vê jogado na contramão da racionalidade.

O anúncio do IBGE de que seu orçamento foi reduzido para R$ 204 milhões -menos de um terço do que havia proposto- explica a necessidade de corte dos programas previstos para o ano que vem. Mas registre-se: Não justifica a eleição do Censo Agropecuário para o sacrifício.

Primeiro, porque não é um item arbitrário do rol de estatísticas nacionais. Faz parte da agenda de todo o sistema de planejamento agropecuário, público e privado. Segundo, porque é um golpe no setor mais ativo e produtivo da nossa economia, que será atendido, sabe-se lá por quanto tempo mais, por programas embasados em estatísticas defasadas.

Por isso, o Censo Agropecuário de 2015 não pode ser postergado. O protagonismo da agricultura não está disponível para contestações. É um fato irrecusável, como se vê quando os setores mais obscurantistas no combate a avanços tecnológicos universais, como os transgênicos, baixam humildemente sua arrogância nestes tempos de campanha eleitoral.

Não faz sentido que faltem recursos ao IBGE para instrumentalizar com informações o setor mais dinâmico da economia, cujo enfraquecimento tornaria impossível o fechamento das contas nacionais.


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