Folha de S. Paulo


O (e)leitor e a supereleição

A duas semanas da supereleição, a Folha ainda não encontrou espaço no caderno que leva esse nome para uma cobertura sistemática da disputa pelo governo do Estado. Os leitores começam a reclamar. Com razão: o governador de São Paulo controla o segundo orçamento da União e, no cenário político brasileiro, tem enorme poder. A troca deveria merecer muita, muitíssima atenção do jornal.

Há mais: a Folha tem como um de seus pontos fortes a cobertura política, e apoiada especialmente nela ganhou notável influência nacional nos últimos anos. Ainda assim, uma professora de São Paulo resumiu sua queixa num telefonema na tarde de quarta-feira: "Leio a Folha todos os dias, estou interessada nas eleições mas confesso que não sei dizer nem os nomes de todos os candidatos ao governo paulista. Suas propostas, então, tenho que ver no programa eleitoral da TV para saber quais são".

A Folha não está sozinha: também o jornal "O Estado de S.Paulo" vem dedicando pouquíssimo espaço de suas páginas à sucessão no Palácio dos Bandeirantes. Na Folha, desde o início dos programas de rádio e TV (em 2 de agosto) foram publicadas seis pesquisas eleitorais para a Presidência e apenas dois para o governo do Estado. Mesmo que Mário Covas (PSDB) apareça na mais recente delas com 48% das intenções de voto e alguma chance de encerrar a corrida já no primeiro turno, nem isso pode justificar a cobertura tão pobre.

Uma das explicações poderia ser exatamente essa -a de que a eleição está praticamente decidida em São Paulo. Mas, apenas para citar dois casos que conferi pessoalmente, no Ceará, onde Tasso Jereissati lidera a corrida, e em Pernambuco, onde Miguel Arraes é o favorito, os jornais locais continuam dedicando boa parte de seu noticiário político à sucessão estadual. Pode-se argumentar, ainda, que fazem isso por serem jornais regionais. Mas a Folha e o "Estado" são, até prova em contrário, "de S.Paulo". Têm, sim, envergadura nacional, mas não podem abandonar seus leitores "locais" numa eleição como esta (a rigor, nem a cobertura das sucessões em outros Estados merece atenção desses dois jornais).

Na sexta-feira, a Folha executou uma manobra industrial e tirou de dentro do primeiro caderno o Supereleição. Segundo a secretária de Redação Eleonora de Lucena, com quem conversei na noite do mesmo dia, o objetivo da mudança é garantir mais espaço (leia-se páginas) para a cobertura das eleições em sua reta final. Ela também afirma que o jornal está preocupado em acompanhar mais de perto a sucessão estadual, que ontem já ocupava uma página inteira (a Especial-4). O desafio, agora, é recuperar o tempo perdido e informar melhor o (e)leitor sobre a disputa aqui e em outros Estados. Faltam só duas semanas; vamos ver se a Folha consegue.

A disputa pelos cargos no Senado, na Câmara dos Deputados e assembléias estaduais também ganha pouca atenção dos jornais (estou falando de todos os jornais, incluindo "O Globo" e "Jornal do Brasil", que fazem uma extensa e informativa cobertura da disputa estadual no Rio). O (e)leitor tem que se virar com o que ouve e vê nos programas dos partidos, mas eles são telegráficos e nada confiáveis (ou você acha que um candidato vai se apresentar ao eleitor dizendo ser pouco honesto, afeito a falcatruas e amigo do alheio?).

Hoje, a Folha circula com um caderno especial, "De olho no voto", que traz um balanço da atuação dos candidatos à reeleição para a Câmara -quantas vezes faltaram, como votaram nas pautas mais polêmicas, que projetos apresentaram. É um bom começo. Temo, entretanto, que em duas semanas não seja possível fazer muito mais do que isso. O (e)leitor vai para a urna com um olho aberto, mas o outro continua fechado. E isso é ruim: o Congresso que vai sair dessa supereleição será responsável por conduzir as reformas necessárias para consertar um pouco do Brasil nos próximos anos.

A imprensa não presta muita atenção nisso. Depois, passa quatro anos se fartando de publicar denúncias contra senadores e deputados -denúncias que, na maioria das vezes, acabam em pizza. Melhor seria prevenir.

Ética, ratos, o roto e o rasgado

No domingo passado, critiquei aqui uma reportagem feita pela sucursal de Brasília da Folha, aquela que revelava uma suposta lista de doadores para a campanha de FHC encontrada no lixo do comitê eleitoral do candidato. Seis leitores haviam telefonado para dizer mais ou menos a mesma coisa sobre a reportagem: que ela invadia a privacidade do candidato. Dois chamaram os repórteres de "ratos". Na crítica da semana passada, destaquei uma informação retirada do próprio texto: os candidatos têm o direito de manter sigilo sobre o nome dos doadores para suas campanhas. Se suspeitar de irregularidades, o Tribunal Superior Eleitoral deve requisitar aos candidatos a lista desses nomes. Isso caracterizaria a invasão de privacidade que incomodou aos leitores e a mim.

A repórter Denise Madue¤o, de Brasília, respondeu às críticas. Reproduzo os trechos principais de sua carta enviada à ombudsman: "O fato de a legislação eleitoral permitir que os candidatos mantenham em sigilo os nomes dos financiadores de suas campanhas não significa que a informação não seja importante para o conhecimento do leitor (e eleitor). A história política do país mostra que os doadores de campanhas nem sempre contribuem de forma desinteressada. Vide o caso Collor. Saber quem deu dinheiro para o candidato favorito nas pesquisas é informação relevante para o leitor. Pode contribuir para a formação de seu voto. Portanto, estamos prestando um serviço ao leitor."

A repórter prossegue: "Não há porque recusar a classificação de "rato", utilizada no título da coluna da ombudsman, se este for o preço a pagar por buscar informações precisas e relevantes. Por fim, gostaria de lembrar a decisão da Justiça americana no caso da reclamação do Pentágono sobre a publicação de documentos sigilosos pelo jornal "The New York Times': ao governo cabe guardar seus documentos secretos e à imprensa cabe descobri-los."

Acho que já escrevi o suficiente sobre este caso no domingo passado. Mas diante das observações da repórter que assinou o texto é preciso acrescentar: sua resposta defende o duvidoso princípio de que, para informar o leitor, os fins justificam os meios. Concordo quando ela diz que as informações de sua reportagem são importantes para o leitor, e que à imprensa cabe descobrir notícias. Nem poderia ser diferente. O problema é como fazer isso de maneira irretocavelmente ética, para não nivelar o jornal com as irregularidades denunciadas. É fazer o roto falar do rasgado.


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