Folha de S. Paulo


Folha, Folhão, milhão

A Folha é o maior jornal do país. A partir de hoje, é também o único a atingir um lendário recorde de circulação: rompeu a barreira dos mil e está colocando nas mãos dos leitores 1,1 milhão de exemplares neste domingo. O tamanho desse número pode ser melhor explicado com a ajuda de uma das peças de propaganda veiculada na semana passada. A Folha deste domingo é a soma da Folha do domingo passado mais um dia inteiro (de semana) de "O Estado de S.Paulo". Em todo o país, são agora quase cinco milhões de leitores.

A última grande jogada da Folha na guerra pelo mercado de jornais aconteceu em novembro de 91, no lançamento do Folhão. Os recordes de tiragem que o jornal pôde comemorar eram então de pouco mais de 500 mil exemplares. Mesmo assim, conseguiu obter vantagem sobre o "Estado", líder aos domingos em bancas de jornais paulistanas (seu último reduto) graças aos cadernos de classificados. Com o Folhão, o jornal criou um roteiro gratuito de vagas de emprego e reformou sua edição acrescentando a ela mais serviços (em cadernos como Imóveis, Tudo, Veículos e Empregos; Finanças veio em seguida), mais reportagens especiais, mais atrações (na Revista da Folha e no TV Folha). Um jornal de domingo para o leitor de domingo. Deu certo.

Menos de três anos depois, a Folha prepara outro salto -desta vez, espetacular. Apoiada numa tiragem que aos domingos já passava de 700 mil exemplares, vai chegar ao milhão. É uma operação corajosa e, ao mesmo tempo, arriscada. O Folhão milhão merece duplamente o nome. Está custando US$ 6 milhões à Empresa Folha da Manhã -metade para colocar dentro de 19 edições consecutivas do jornal de domingo os fascículos do atlas que o leitor recebe a partir de hoje, metade em publicidade para apoiar a empreitada. É, não há dúvida, um bom dinheiro.

A boa notícia que esse investimento envolve é a de que a Folha não embarcou no festival de loterias em que se transformaram alguns jornais, à caça de leitores. Em vez de carro importado, apartamento ou eletrodomésticos distribuídos por métodos entre engenhosos e complicados, a Folha preferiu investir em um produto afim (um livro), útil (quem não tem um atlas desatualizado em casa depois do que aconteceu ao mundo nos últimos cinco anos?) e entregá-lo a todos os seus leitores, sem necessidade de sorteio ou coisa que o valha. Confirma a filosofia do jornal, que também brinda assinantes com esses produtos afins, livros ou fitas de vídeo, e diferencia a promoção daquela lançada não só pelo "Estado", mas por jornais populares como "Folha da Tarde" e "Notícias Populares" em São Paulo, ou "O Dia" no Rio. Até prova em contrário, aliás, essas promoções têm inflado artificialmente a tiragem dos jornais que as realizam exatamente pelo tempo que duram. Quando acabam os prêmios, volta tudo à estaca zero, ou quase.

É por essa razão, mais do que qualquer outra, que o lançamento do Folhão milhão é corajoso e arriscado. A Folha embarca nele sem saber exatamente quantos leitores fiéis vai somar ao seu público de todos os dias, e ao público de domingo. (É claro que o jornal tem lá suas contas, que não revela por serem estratégicas, mas é bom lembrar que o consumidor é sempre tão imprevisível quanto o tempo em São Paulo). A concorrência tenta minar o Folhão milhão usando a estratégia que domina o "Estado" nos últimos embates: a cópia. Foi só a Folha anunciar o lançamento de seu atlas e o "Jornal da Tarde", do grupo que edita o "Estado", respondeu encartando em sua edição de ontem um (adivinha?) atlas. A intenção é esvaziar a venda da Folha nas bancas, assim como a da Folha é arrancar mais leitores ainda do "Estado".

Para você, leitor, não poderia ser melhor. Ambos os jornais sabem que operações como o atlas ou os sorteios provocam aquilo que o pessoal de marketing chama de "experimentação" do produto. Se o leitor gostar do que viu, semana que vem volta à banca. Se não gostar, não volta. Por essa razão é que a Folha, junto com o atlas e o 1,1 milhão de exemplares, planejou a edição de hoje minuciosamente nos últimos (muitos) dias. Repare bem: o Folhão milhão deve estar mais bonito, mais atraente, mais cheio de notícias e reportagens, mais "quente" do que o Folhão da semana passada. Mais do que o atlas, é isso que interessa a você, não? Um jornal de domingo ainda melhor, para um leitor de domingo idem.

Na corrida para atrapalhar o lançamento do Folhão milhão, o "Jornal da Tarde" copiou o acerto e o erro. Escolheu encartar um atlas (modesto) em sua edição de ontem, e anunciou: "Folha, 127 dias. Deus, 7 dias. Jornal da Tarde, 1 dia", numa referência (também copiada da campanha da Folha) sobre quanto cada um deles teria demorado para fazer o mundo.

A Folha saiu antes com um anúncio que dizia: "Deus fez o mundo em apenas 7 dias porque não usou papel encorpado, impressão nobre e capa especial".

Como bem notou um leitor que escreveu para a ombudsman (sua carta saiu no Painel do Leitor), diz a Bíblia que Deus fez o mundo em seis dias. No sétimo, apenas descansou.


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