Folha de S. Paulo


Enquanto a campanha não esquenta

Poucas vezes a imprensa terá errado tanto uma previsão: a corrida eleitoral, em vez de ser eletrizante, anda de uma chatice inacreditável. Nos últimos dias, o que os jornais tiveram de matéria-prima girou em torno de mudanças no comando da campanha do PT, às voltas com a queda de Lula nas pesquisas, e denúncias de uso da máquina administrativa que, em tese, poderiam levar à impugnação da candidatura de FHC. Até o programa eleitoral de rádio e TV, que costumava render pautas, virou um sonífero (na verdade, sempre foi), graças a uma lei que amarra os candidatos a aparições dentro do estúdio.

Uma boa medida de que as eleições deixaram de empolgar, pelo menos momentaneamente, pode ser o número de cartas e telefonemas que recebi na semana passada: de um total de 177 manifestações de leitores, só 13 tratavam desse assunto. Na maioria das vezes, para falar da única "notícia" destas eleições, as pesquisas de intenção de voto. O restante vem de leitores que acusam a Folha de "fernandohenriquista" (3) e de "lulista" (3), com argumentos que revelam muito mais paixão pelo candidato que estaria sendo preterido do que falhas do jornal (o Painel do Leitor tem mostrado alguns bons exemplos dessa divisão entre os leitores da Folha).

Sobre as pesquisas eleitorais, recebi dois telefonemas que merecem comentários aqui (no mínimo, para esclarecer outros leitores que possam ter a mesma dúvida). Na terça-feira, um médico de São Paulo questionou a publicação de uma nova pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais. Dois dias antes, no domingo (21 de agosto), o jornal já havia dado manchete para outra pesquisa. O argumento central desse leitor: não havia fato político que justificasse uma nova sondagem em 48 horas. Ele não deixa de ter certa razão. "Dessa maneira, o jornal despolitiza a pesquisa e passa a fazer pesquisas pelas pesquisas. Esta eleição já não tem grandes novidades, nem grandes programas de governo. Com uma pesquisa em cima da outra, fica ainda pior", comentou ele.

Na quarta-feira, foi a vez de um técnico em eletrônica também de São Paulo telefonar para contestar a conta feita no dia anterior pelo jornal. Segundo a Folha, FHC já teria 43% das intenções de voto na pesquisa Datafolha e seus adversários, somados, chegavam a 38%. Assim, se a eleição ocorresse no dia da pesquisa, estaria resolvida no primeiro turno. O leitor discordou desse raciocínio: somou os dois pontos de margem de erro a FHC, e ele chegou a 45%. Em seguida, somou dois pontos de margem de erro a cada um dos adversários do tucano e eles chegaram, juntos, a 48%. "O jornal errou", disse o leitor. "Há ainda uma possibilidade de segundo turno e a Folha não contou a seus leitores."

Consultei o Datafolha: quem errou foi o leitor. Não se pode acrescentar a margem de erro a todos os resultados obtidos numa pesquisa simplesmente porque a soma ultrapassaria os 100% da amostra. A explicação é simples: nem todas os resultados podem, ao mesmo tempo, variar para cima. Se um candidato tem os dois pontos integrais da margem de erro para mais, outro deve ter para menos. Como não se sabe quem está em cada uma dessas situações, a pesquisa só pode apontar tendências e fazer previsões baseadas nos dados científicos que recolhe. E as previsões do Datafolha, diga-se em seu favor, têm sido bastante exatas nos últimos pleitos.

E de que reclamam os leitores que não estão muito interessados em pesquisas e campanhas eleitorais? Bem, de tudo um pouco. Onze deles escreveram ou telefonaram para apontar falhas de acabamento no atlas que a Folha está distribuindo nas edições de domingo. Desse total, seis falavam da mesma coisa: problemas no mapa da Itália que saiu no segundo fascículo, onde a localização de algumas cidades (como Bolonha) parece estranha.

As observações desses onze leitores, e todas as outras que chegarem, estão sendo encaminhadas à equipe de coordenação editorial do atlas para análise. Dessa mesma equipe, estou recebendo esclarecimentos sobre cada um dos casos apontados pelos leitores (e os leitores recebem cartas da ombudsman relatando as providências em relação à sua queixa). Nos casos em que houver comprovação do erro, a Folha pretende corrigi-lo. Até o momento, o jornal ainda discute como vai fazer isso, mas a Redação garante: nenhuma falha vai passar em branco.

Na sexta-feira, recebi carta de um leitor de Franco da Rocha (SP) que merece ser citada. Diz: "Quando das acusações sobre os senadores José Paulo Bisol e Guilherme Palmeira, ex-vices de Lula e FHC, a Folha deu amplo destaque às investigações tendo, no caso de Bisol, enviado um repórter a Buritis (MG) para confirmar se as obras realmente iriam beneficiar a fazenda do parlamentar. Muito bem. Tão logo foram substituídos, a Folha e toda a imprensa simplesmente se calaram como se, ao deixarem de ser vices, quaisquer danos que eles tenham trazido ao erário público perdesse a validade."
E não é que o leitor tem toda a razão?

Também na sexta-feira, recebi carta de um leitor de São Paulo que se identifica como engenheiro e reclama, também com razão, numa carta bem-humorada: "Passei dos 40 e meu oftalmologista não sabe mais o que fazer. Vocês diminuíram o tamanho das tirinhas!"

UMA QUESTÃO DE HONESTIDADE
Algumas cabeças obtusas da redação do jornal carioca "O Globo" vêem no ombudsman da Folha, desde o começo, um braço da direção do jornal cuja função primeira seria fustigar aquele diário. Não deve ser por outra razão que os ombudsmen que me antecederam aqui tiveram que responder a ataques nem sempre originais, nem sempre identificados, disparados desde "O Globo". Também já fui alvo de alguns desses ataques, mas nunca ocupei o espaço desta coluna para tratar deles porque me pareceram desimportantes, gratuitos e dispensáveis. Em respeito ao leitor da Folha, reservo a coluna para tratar de assuntos que imagino mais nobres. Fofoca não tem espaço aqui.

Na terça-feira, entretanto, uma nota transplantada para dentro da coluna "Zózimo", em "O Globo", deu um exemplo de mau jornalismo, o que me leva a comentá-la. Com um texto obtuso, ela dizia: "A ombudsmãe (sic) da Folha já sabe que a gente sabe que ela é desonesta." E só, sem maiores explicações. Como o jornal não voltou ao assunto, no mínimo para decifrar esse enigma a seus leitores, e como "O Globo" não tem ombudsman a quem, como leitora, possa me dirigir para pedir esclarecimentos sobre o significado da nota, fico na dúvida. O que é que "O Globo" quis dizer com isso?

Quatro leitores da Folha viram a nota em "O Globo" e telefonaram para perguntar a mesma coisa. Sugeri que eles telefonassem à direção do jornal e repetissem a pergunta. Não sei se foram atendidos lá (aqui, lembro sempre, eles têm uma ombudsman para anotar suas queixas e resolver suas dúvidas em relação ao jornal). Se foram atendidos, não sei se conseguiram explicações convincentes. As cabeças obtusas de "O Globo" ainda têm a memória dos porões, aos quais se acostumaram em anos passados e já devidamente enterrados em outras redações. Ética e transparência, ali, são coisas que essas cabeças obtusas exigem de outros, mas não de si.

Talvez o que as cabeças obtusas de "O Globo" quisessem dizer com a nota é que, na terça-feira, eu já devia ter conhecimento de uma carta encaminhada por Luiz Eduardo Vasconcelos, diretor de marketing daquele jornal, solicitando minha intervenção de ombudsman no seguinte caso: a Folha publicou em 15 de agosto um gráfico em que comparava sua tiragem recorde depois do lançamento do atlas, em 14 de agosto, com tiragens de outros jornais e revistas em abril, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação, o IVC. Ocorre que "O Globo" lançou um dicionário em fascículos em 31 de julho, e também elevou sua tiragem. Reclamou em carta dirigida à direção da Folha, mas não foi atendido: o jornal publicou-a no Painel do Leitor e reafirmou que só poderia confiar nos dados do IVC sobre outros veículos.

O que o diretor de marketing de "O Globo" me pedia, na segunda carta (a única enviada à ombudsman), era justo: que a Folha confrontasse seus números atuais com os números atuais de "O Globo", ainda que ambos não tivessem sido auditados pelo IVC. Encaminhei a carta à Redação com a seguinte anotação: "O remetente tem razão, e o jornal deveria reconhecer que comparou coisas diferentes."
Na quarta-feira, a carta foi publicada na íntegra, no Painel do Leitor, acompanhada dos números solicitados por "O Globo". De forma transparente, a Folha aceitou as ponderações da ombudsman e corrigiu seu erro. Enviei carta ao diretor de marketing de "O Globo" informando sobre o caso, que por mim parece encerrado.

Se houve alguma desonestidade nesse episódio, ela partiu das cabeças obtusas de "O Globo", que lançaram a mim um ataque de duplo sentido, leviano e irresponsável em suas páginas ao mesmo tempo em que solicitavam, numa carta reservada e polida, minhas providências de ombudsman (confiando em que elas seriam mesmo tomadas) para reparar um erro da Folha que prejudicava o jornal. Se "O Globo" tivesse ombudsman, eu reclamaria a ele. Como não tem, só posso lamentar que as cabeças obtusas continuem produzindo, por lá, esses pequenos vexames.


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