Folha de S. Paulo


A hora da virada

Qualquer que seja o resultado de Brasil x Itália hoje, há um outro que já pode ser comemorado pelos leitores da Folha: o do caderno Copa 94, que substitui Esporte na cobertura do mundial de futebol há um mês. A Folha, qualquer leitor com um mínimo de interesse pelo assunto há de saber, não tem tradição de cobertura esportiva. Esporte, aqui, foi assunto de segunda categoria até dois anos atrás, quando o bom senso e as pesquisas de perfil do leitor mostraram que era preciso abandonar essa idéia (e, por que não dizer, esse preconceito) contra o noticiário esportivo. O esporte ele mesmo mudou, e nunca influenciou tanto o comportamento, nem criou tantos ídolos, nem lançou tantas modas, nem movimentou tanto dinheiro (o que, em jornal, também significa anúncios) como nos últimos anos.

A partir dessa constatação, a Folha ensaiou fazer uma cobertura de esporte que ultrapassasse os grandes eventos, como campeonatos mundiais e olimpíadas, e pudesse oferecer ao leitor, no dia-a-dia, mais volume e qualidade. O jornal planejou sua estratégia, investiu como nunca antes em sua editoria de Esporte e marcou uma data para a grande virada: a Copa de 94.

A julgar pela reação dos leitores, deu certo. Mesmo com todo o esforço recente da Folha, a ombudsman ainda ouvia uma média de 70 protestos todos os meses, e uma reclamação constante: o caderno de Esportes é "fraco". A estréia do Copa 94, com a cobertura mais extensiva e isenta de toda a imprensa sobre o mundial de futebol, fez os protestos desabarem. No último mês, desde o início da Copa, recebi 25 manifestações sobre o caderno -mais da metade foram elogios. As outras apontavam pequenos erros em legendas, grafia de nomes ou outras informações de pouca relevância. Dois leitores reclamaram da "cientificidade" exagerada do caderno, que se apoiou em levantamentos estatísticos para formular boa parte de suas pautas. Não houve um único leitor que dissesse que o Copa 94 é "fraco".

Os leitores que escreveram ou com quem pude conversar pelo telefone aplaudiram particularmente o volume de informações (pelo que conferi em outros jornais, nada de importante escapou dos repórteres da Folha), os dados estatísticos levantados em conjunto com o Datafolha e dois colunistas exclusivos do jornal, Telê Santana e Johan Cruyff. Houve também muitos elogios para os chamados "produtos especiais" com que a Folha brindou o leitor, desde o caderno sobre os cem anos do futebol no Brasil (no início do ano) até os cinco fascículos com a história das Copas ou o guia de regras do futebol no mundial.

O jornal explorou bem o seu diferencial nessa cobertura, os levantamentos numéricos (muitos deles também inéditos) que ofereceram ao leitor detalhes esmiuçados dos jogos, das equipes e dos jogadores em artes e gráficos. Criou uma diagramação nova para o Copa 94, que permitiu organizar a cobertura mesmo quando ainda havia 24 seleções na disputa. Conseguiu transmitir fotos coloridas dos EUA para a sede do jornal em alguns minutos, coisa inimaginável na Copa do México de 90. Cumpriu sua promessa de fazer um caderno que interessasse mesmo àqueles leitores que não gostam de futebol, e foi o que mais ofereceu as chamadas "side stories" -desde a moda que se usa nas arquibancadas até os cortes de cabelos dos jogadores ou a preocupação da imigração americana em relação aos brasileiros que podem permanecer por lá, ilegais, depois do fim do campeonato.

Mas alguns (velhos) problemas do jornal sobreviveram a todo o esforço, e merecem figurar neste balanço para que continuem sendo parte das preocupações do leitor, da ombudsman e de quem pode fazê-los desaparecer, a Redação. Um deles: o texto. Nem todo o suor gasto nessa cobertura fez com que as reportagens do Copa 94 fossem mais bem escritas que no resto do jornal, e esse é um problema (reconhece a secretária de Redação Eleonora de Lucena) que a Folha ainda precisa vencer. Outro: o "emagrecimento" e o "esfriamento" do restante do jornal. Para que o Copa 94 pudesse ter uma média diária de 16 páginas "quentes", concluídas no fim da noite, outras editorias perderam espaço e tiveram seus horários de fechamento adiantados. Para que o Copa 94 pudesse ter 25 jornalistas mobilizados na sede, mais 19 nos EUA e três repórteres fotográficos exclusivos, outras editorias perderam mão-de-obra. O resultado foi mais sentido na Ilustrada, mas se espalhou por todo o jornal -e provocou, esse sim, protestos de leitores que se sentiram prejudicados.

Há mais: o esforço de ter fotos transmitidas em tempo recorde não se traduziu em ganho de qualidade na informação para o leitor. Na maior parte dos casos, o que a Folha exibiu em suas páginas não foi muito diferente da concorrência: fotos de treinos ou de lances desimportantes das partidas. Em termos de imagens, há ainda muito o que se fazer na cobertura esportiva, mas esta é uma discussão que se realiza na imprensa de todo o mundo, e não chega a ser privilégio da Folha.

Enfim, terminada a Copa resta a pergunta: e o que é que o leitor vai ganhar com tudo isso? Segundo Eleonora de Lucena, a experiência do Copa 94 vai servir de modelo para o caderno de Esporte, que pretende continuar apoiado em bons colunistas, muitos dados estatísticos, em didatismo e num noticiário isento e desapaixonado (um ganho de qualidade na cobertura esportiva que se faz no Brasil). A expectativa tanto da Redação como dos leitores do jornal é de que o caderno de Esporte da Folha nunca mais será o mesmo depois desta Copa. Agora, só falta dar Brasil hoje à tarde em Pasadena.

O noticiário sobre irregularidades na vida pregressa do vice de Lula, José Paulo Bisol, continuou dando tom da semana que passou nas páginas de política de toda a imprensa. Enquanto se discute o que o ex-senador fez ou deixou de fazer, e se ele renuncia ou é mantido pelo PT, outro vice denunciado por irregularidades (no caso, recebimento de propinas de uma empreiteira beneficiada por emendas ao Orçamento) passa quase despercebido. Ainda que a Folha tenha reagido e voltado ao assunto nas edições de sexta-feira e sábado, Guilherme Palmeira tem sido mais poupado do que certamente esperava. O vice de FHC se beneficia do "fernandohenriquismo" que acomete a imprensa brasileira. Ou, como já perguntei antes, isso tem outro nome?

Oito leitores, simpatizantes do PT em sua maioria, protestaram contra a diferença de tratamento (que, repito, é mais visível em jornais como "O Estado de S.Paulo" e "O Globo" do que na Folha e no restante da imprensa). Mas na quinta-feira recebi telefonema de um leitor da capital que resume o sentimento de eleitores de outros partidos, PSDB incluído. Dizia ele: "Se o vice do meu candidato fez maracutaias, eu quero saber. Não quero que a imprensa esconda isso de mim, porque quero votar sabendo exatamente o que estou fazendo. Posso até considerar que as irregularidades denunciadas não são relevantes, e achar que Fernando Henrique e seu vice ainda merecem o meu voto. Mas isso, só eu posso decidir. E para decidir, tenho que saber a verdade."

ALGUÉM TIRA A RAZÃO DESSE (E)LEITOR?
Nova rodada de pesquisas eleitorais aconteceu na semana passada. A Folha publicou os resultados do Datafolha na sexta-feira: Lula e FHC têm agora apenas 9 pontos de diferença nas intenções de voto, contra 17 na pesquisa divulgada na semana anterior. Também na sexta-feira, comentando resultados semelhantes obtidos em várias pesquisas, o "Estado" chamou o Datafolha de "um instituto". Para ser equilibrado, chamou o Ibope de "outro" instituto. Estava na primeira página do jornal. O "Estado" não dá o braço a torcer: prefere desinformar seu leitor a passar recibo para a Folha.

E por falar em passar recibo: os jornais cariocas, notadamente "O Globo", quiseram criar uma polêmica na cobertura da Copa. Para esses jornais, que usaram vários de seus colunistas como porta-vozes, a "paulistada" torcia contra a seleção, desacreditava o técnico Parreira em seu noticiário e não valorizava adequadamente o craque Romário, transformado em herói nacional pela apaixonada imprensa do Rio. Os jornais de São Paulo não morderam a isca. A equipe do programa "Apito Final", comandado por Luciano do Valle na TV Bandeirantes, caiu na tentação de responder às acusações de antipatriotismo, mas recuou a tempo. Sem que a "paulistada" passasse recibo, a "cariocada" ficou falando sozinha. O leitor de São Paulo não perdeu nada (a maior parte, conferi nos telefonemas que recebo diariamente, nem se deu conta de que um dia existiu a falsa polêmica).


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