Folha de S. Paulo


Milhares de dólares e nenhum gol

Futebol, diz uma velha máxima dos estádios, é bola na rede. Isso é o que interessa. Na semana passada, os dois primeiros jogos da seleção nos EUA -dois amistosos, é verdade- tiveram um total de nove gols do Brasil e três dos adversários. Nenhum deles pôde ser visto pelos leitores nos jornais. Pior do que isso, na quinta-feira "O Estado de S.Paulo" e o "Jornal do Brasil", para ficar em dois exemplos da chamada grande imprensa, circularam sem o resultado da partida Brasil x Honduras. O jogo terminou em 8 x 2 para os brasileiros, um placar por si só digno de aparecer no jornal, qualquer jornal. Mas o horário do jogo, que começou às 22h da quarta-feira (hora de Brasília), acabou por exigir dos jornais uma operação de guerra que nem todos conseguiram vencer.

O leitor não consegue entender, tenho certeza, a lógica perversa de uma imprensa que investe milhares de dólares na cobertura do evento esportivo do ano (pelo menos para os brasileiros), alardeia isso e, na hora H, coloca nas ruas jornais sem a notícia mais importante dele no dia anterior. Ainda que veículos como a Folha estejam indo para a Copa com exemplares da mais moderna tecnologia na bagagem, de forma a garantir uma cobertura mais "quente" para seu público, vão enfrentar problemas para ter um simples flagrante de gol em suas páginas -e é bom que você, leitor, esteja preparado para isso, ou vai se frustrar.

Para começo de conversa, você precisa saber que a Fifa permite a presença de apenas um repórter fotográfico de cada veículo no gramado, durante a partida. Assim, é difícil garantir que ele saia dali com a foto de um gol. Explica a editora de Fotografia da Folha, Ana Estela de Sousa Pinto: para captar os lances da partida, os repórteres fotográficos usam geralmente lentes chamadas 400 milímetros em suas câmeras. Na hora em que acontece um gol, eles deveriam estar numa das extremidades -a certa, de preferência- do gramado, geralmente com câmeras munidas de lentes 80 milímetros. A diferença está em que as primeiras permitem imagens mais aproximadas dos lances, enquanto as outras fornecem uma "panorâmica" ideal para o momento do gol. Com um só fotógrafo em ação, mesmo que ele use duas máquinas diferentes e entenda de futebol a ponto de reconhecer uma jogada que pode terminar no fundo da rede, fazer a foto do gol vai ser, por tudo isso, um lance de sorte.

Nos jogos da primeira fase, que ocorrem nos dias 20 (contra a Rússia), 24 (contra Camarões) e 28 de junho (contra a Suécia), o fuso horário está a favor da imprensa brasileira: as partidas vão acontecer às 17h (hora de Brasília). Mas se o Brasil passar para a segunda fase em primeiro lugar em seu grupo, por exemplo, o primeiro jogo está marcado para as 16h de um sábado, 4 de julho. Como a Folha fecha sua edição de domingo por volta de 14h30 do sábado, eis aí mais um problema para o jornal. Se tentar garantir o horário da edição de domingo, fica sem o jogo. Se quiser ter o jogo, vai chegar mais tarde à casa de todos os leitores -mesmo daqueles que não têm qualquer interesse por futebol, seleção, Copa etc.

Essas equações, difíceis de montar, estão entre as prioridades da Redação para as próximas semanas. Em uma Copa do Mundo, não basta apenas ter em mãos as modernas câmeras digitais que a Folha está estreando, capazes de reduzir o tempo entre o momento da foto e sua chegada na sede do jornal para alguns minutos (o processo tradicional requer mais de uma hora para a mesma operação). Foi graças a uma dessas câmeras que, na edição de quinta-feira, a Folha pôde ter uma foto de Romário, Dunga e Raí abraçados em um estádio de San Diego, na Califórnia, comemorando o primeiro dos oito gols brasileiros sobre Honduras. A foto chegou à sede do jornal às 23h15, quase meia hora antes de uma outra da agência Reuters. Foi, sem dúvida, um avanço para o jornal. Pena que, apesar dele e de uma partida que teve oito gols do Brasil, o leitor tenha ficado sem a imagem da bola na rede.
*
E já que o assunto é Copa do Mundo, aproveito para registrar o protesto dos leitores (pelo menos oito comentaram o assunto) que reclamaram da transmissão dos jogos pela TV. Para esconder o nome da Brahma nas placas de publicidade dos estádios, as emissoras acabaram por "cortar" o campo nas laterais e prejudicar quem queria ver as partidas. Se as emissoras têm contratos de patrocínio feitos com concorrentes da Brahma, e se esses concorrentes querem ver a cervejaria fora do vídeo durante a Copa, o problema é das emissoras, da Brahma e dos concorrentes. Não se pode, por conta disso, punir o telespectador -que perdeu lances dos dois jogos do Brasil e foi involuntariamente bombardeado pela chamada "guerra das cervejas".

Os publicitários discutem se é ética ou não a atitude da Brahma, que não comprou cotas de patrocínio nas emissoras de TV mas invadiu os estádios em que acontecem os jogos, e aparece no vídeo mais do que os patrocinadores propriamente ditos. OK, a questão é pertinente -mas nada justifica que, enquanto ela é discutida, a Rede Globo e a Bandeirantes desprezem o telespectador por conta de seus (das emissoras) interesses comerciais e "retalhem" as imagens que ele assiste. Isso, sim, é indesculpável. E anti-ético.

Aos leitores que reclamaram, dei um conselho: já que as emissoras não têm ombudsmen, que eles ligassem para os respectivos departamentos de esporte para protestar. Idem quanto à Brahma, a Antarctica, a Kaiser e seus departamentos de marketing. No limite, sugeri que desligassem a televisão. Não deixa de ser uma forma de protesto contra o abuso de quem acha que o telespectador não vale nada, e só se esquece de uma coisa: no fim das contas, quem é que compra a cerveja anunciada durante os jogos?

Na sexta-feira, a Direção de Redação da Folha me informou a respeito de uma réplica à coluna da semana passada, "Dois pesos e duas medidas", que seria publicada hoje no jornal (deve estar ao lado desta coluna). Como é praxe na Folha, a Redação solicitou seu direito de responder à ombudsman, e não tive conhecimento prévio do texto (assim como a Redação não conhece, previamente, o que escreve a ombudsman do jornal).
A coluna da semana passada apontava alguns episódios de "fernandohenriquismo" da Folha (se bem que o fenômeno, como escrevi, seja de toda a imprensa). Até a noite de sexta, 18 leitores telefonaram ou escreveram para comentar o assunto: 16 concordaram com a ombudsman (três cartas saíram no Painel do Leitor) e dois discordaram (uma carta publicada). Um deles, exatamente o autor dessa carta (Igor Cornelsen, de São Paulo), me acusou de "lulismo" em um texto em que, mais do que apontar defeitos de conduta, tentava desqualificar meu trabalho. A Redação, ao contrário da praxe do jornal, não me consultou para saber se eu queria responder a ele no próprio Painel do Leitor. (Seria o caso: o sr. Cornelsen leu mal a coluna e não percebeu que o que defendi nela foi que a Folha estendesse seu famoso distanciamento crítico à cobertura da campanha de FHC. Isso não é "lulismo", mas bom jornalismo).

*

Se achar que a réplica da Redação precisa de uma resposta (tendo em vista uma discussão que interessa e acrescenta ao leitor do jornal), a ombudsman pode fazê-lo na coluna do próximo domingo. De qualquer maneira, acho saudável que a polêmica tenha surgido: por mais que eu procurasse na Folha da semana que passou, não encontrei "fernandohenriquismo" em suas páginas. Sinal de que alguma coisa já pode ter mudado.

*

Na sexta-feira, o "Jornal da Bandeirantes" noticiou o fim do inquérito que apurava denúncias de abuso sexual contra duas crianças da Escola Base, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Sem provas, os seis acusados foram inocentados. Duas semanas atrás, a "Folha da Tarde" entrevistou os seis e fez um balanço de suas vidas depois que as denúncias foram irresponsavelmente divulgadas pela polícia e reproduzidas na imprensa. Dois se mudaram de São Paulo, um está sofrendo de depressão, todos perderam seus investimentos na escola ou outros negócios e passam por dificuldades financeiras.

Chico Pinheiro, âncora do "Jornal da Bandeirantes", fez um "mea culpa" em nome da imprensa nesse caso. Disse que somos todos responsáveis, deveríamos pedir desculpas aos envolvidos e fazer "uma profunda reflexão sobre o papel da imprensa na sociedade e nossos princípios éticos". Concordo com ele: é uma boa oportunidade. Antes que aconteça de novo.

*
Na quinta-feira, 2 de junho, o ex- governador do Ceará, Tasso Jereissatti, anunciou em sua coluna semanal na pág. 1-2 da Folha que estava deixando de colaborar com o jornal por disputar um cargo eletivo (ele é candidato ao governo do Ceará). No domingo, dia 5, Maria da Conceição Tavares, candidata a deputada federal, anunciou também em sua coluna semanal na pág. 2-5 que vai escrever apenas uma vez ao mês até as eleições.
Alguns leitores perguntaram sobre as razões da diferença de critérios, e a secretária de Redação Eleonora de Lucena esclarece: Tasso é candidato a um cargo majoritário e, por tradição, a Folha afasta de seus quadros, durante a campanha, quem está na disputa por eles. Os candidatos a cargos no legislativo, por disputarem uma eleição mais pulverizada, podem permanecer no jornal -desde que queiram. No primeiro caso, a intenção do jornal é não desequilibrar a disputa oferecendo um palanque privilegiado ao candidato. No segundo, o jornal entende que não teria influência sobre o resultado final.


Endereço da página: