Folha de S. Paulo


A quem interessa o "denuncismo"

Ombudsmen, percebi depressa, acabam atraindo uma rede de leitores mais constantes e mais presentes que não passam semana sem enviar uma carta ou dar um telefonema recheado de opiniões. São bons interlocutores que servem como guia e fonte de inspiração; geralmente são leitores mais atentos que a média e têm preocupações bastante pertinentes sobre o jornal e a própria imprensa, para não dizer sobre o Brasil. São como os ombudsmen do ombudsman, e encaram com seriedade esse papel.

Foi conversando com um desses leitores na semana passada que ouvi a pergunta: afinal, por que vocês da imprensa se preocupam tanto com o "denuncismo"? Num momento como este que o país está vivendo, não seria meio caminho andado jogar toda a lama no ventilador, deixar espalhar e depois fazer um balanço de quem saiu e quem não saiu respingado?

A pergunta do leitor tem explicação mas não tem justificativa. Como milhões de brasileiros, ele também se cansou de trabalhar duro e pagar impostos que acabam transformados em depósitos milionários na conta do alheio. Agora, quer ver o alheio e seus comparsas atrás das grades, banhados de lama dos pés à cabeça. Se pudesse, faria como no passado: ainda mandaria banir suas famílias dos registros civis e cristãos, condenaria seus filhos ao degredo e salgaria suas terras.

Nada, nem mesmo o ódio de cidadãos que se sentem ultrajados, enganados e manipulados, justifica que se exponha alguém a denúncias que podem vir a não ser provadas, quaisquer que sejam elas. É preciso repetir o chavão como uma prece: até prova em contrário, somos todos inocentes e se atropelarmos essa premissa, estaremos desrespeitando o mais básico dos princípios democráticos. É tudo de que o Brasil não precisa agora.

Mais do que isso, é preciso perguntar a quem interessa um "denuncismo" que junta bons e maus, probos e desonestos, retos e corruptos no mesmo saco. Só pode ser aos maus, desonestos e corruptos. Ao trafegar na generalização, são eles que acabam escondidos na massa anônima de suspeitos, ombreados com gente sobre quem nada vai se provar. Se, como quer o leitor que citei, a imprensa atirar uma tonelada de lama sobre o Congresso, vai soterrar tanto reputações como irregularidades. Nem uma coisa nem outra interessam ao leitor, ao cidadão e ao país.

É preciso compreender que o "denuncismo" é também uma instrumentalização da imprensa por parte de quem quer, como se diz, ver o circo pegar fogo para fugir com a mulher do palhaço. Aos jornalistas cabe a responsabilidade de agir com independência, distanciamento e ética irretocáveis na hora de abrigar uma denúncia na imprensa. Nada que não contivesse provas sólidas, dessas que um tribunal lançaria mão, deveria ser veiculado; a busca pelo "furo", muitas vezes irresponsável, deveria ser trocada pela preocupação com a exatidão. O compromisso com o leitor, e só com o leitor, deveria ser a pauta do dia, todos os dias, em toda a imprensa.

Ao leitor, por outro lado, cabe a tarefa de vigiar jornais, revistas e televisões e não permitir abusos. Proponho uma lição de casa aos leitores desta Folha: que eles acompanhem detidamente o noticiário publicado sobre o megaescândalo do Orçamento e se manifestem todas as vezes que o jornal se desviar do bom jornalismo e praticar o "denuncismo". Não tem sido a regra, é verdade, mas aqui e ali ainda acontece.

Proponho aos leitores que, nesse caso, sejam implacáveis: telefonem ou escrevam à ombudsman (o endereço está no pé desta coluna), ao Painel do Leitor, à Direção de Redação, a quem quiserem. Importante é exigir do jornal que ele não arranhe sua credibilidade. A Folha não se gaba de ter o rabo preso com o leitor? A ombudsman quer saber como isso funciona em tempos de CPI do Orçamento. Semana que vem, volto ao assunto.


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