Folha de S. Paulo


Formatura de estudantes de medicina se tornou protesto contra golpe de 64

Uma placa com os 60 nomes dos alunos da Turma de 1966 da Escola Paulista de Medicina será inaugurada no próximo sábado, dia 3 de dezembro, às 10h30, na Unifesp/EPM. Estarão presentes pouco mais da metade, 22 já faleceram.

Há 50 anos, todos os 60 estavam no Teatro Municipal ouvindo atentamente o paraninfo da turma, cassado nos primeiros dias da revolução de 31 de março de 1964.

A oração do professor Marcos Lindenberg, "Medicina, Civilização, Humanismo", assegurava que só a educação integral, científica e humanística, pode preparar o médico para o equilíbrio entre suas necessidades materiais e os imperativos da profissão.

Faculdades de medicina devem promover a educação humanística ou elas continuarão a ser escolas que se diferenciam das de medicina veterinária só porque a espécie animal nelas estudadas é o "homo sapiens", disse.

Completou: só a educação humanística poderá evitar também que médicos assistam passivos ao agravamento dos males sociais.

Na solenidade do Teatro Municipal presidida pelo professor Walter Leser, ele não colocou a tradicional beca, assim como os docentes homenageados. A escolha do paraninfo foi proibida pela direção da EPM daqueles anos. A sessão foi considerada não-oficial e os diplomas foram entregues na secretaria da escola.

Apesar das medidas restritivas, o ato substituiu a entrega dos diplomas e a solenidade se transformou em protesto dos 60 novos médicos. Vestidos de beca, um após o outro, em silêncio, os formandos em medicina foram até a mesa que presidia a solenidade e cumprimentaram o professor Leser e o paraninfo Marcos Lindenberg.

Uma homenagem especial foi prestada ao professor Jairo Ramos, fundador da EPM (Escola Paulista de Medicina).

O orador da turma, Edmar Gomes, em seu discurso menciona o afastamento prematuro do titular da cátedra de Clínica Médica, pois o governo federal havia antecipado a aposentadoria compulsória no ensino superior federal para os 65 anos de idade. Todos os presentes permaneceram em pé durante os cinco minutos da calorosa salva de palmas em homenagem ao professor Jairo Ramos.

O professor Marcos Lindenberg era o diretor da EPM, atual Unifesp, em 1964. Sua aposentadoria compulsória com base no Ato Institucional nº 1 esteve relacionada aos seus esforços em instalar a Universidade Federal de São Paulo na capital, naquela época.

Parte do corpo docente da ala conservadora que assumiu o controle do IPM (Inquérito Policial Militar) dentro da escola não concordava com a sua transformação em universidade federal. Somente anos depois, em 1994, a EPM foi transformada na atual Universidade Federal de São Paulo. Documento do SNI coloca o formando Walter Albertoni como perigoso por ter enfrentado a Congregação para garantir que Marcos Lindenberg fosse o paraninfo da sua turma (Ministério do Exército ASP ACE 3901 80. Fundo SNI do Arquivo Nacional Rio de Janeiro).

Para saber mais: "A Unifesp e a cassação de Marcos Lindenberg", por Luigi Biondi, em "A Universidade Federal de São Paulo aos 75 anos", Editora FAP/Unifesp, 2008, pág. 172. Disponível em http://books.scielo.org e no Google.

*

Na foto abaixo, o colunista da Folha Julio Abramczyk (dir.), vestindo a beca do reitor, é cumprimentado durante sua formatura. Na mesa, da esquerda para a direita estão os professores Paulo Pinto Pupo, Abrahão Rotberg, Walter Leser e Otavio Ribeiro Ratto, em 22 de dezembro de 1966.

Gil Passarelli/ Folhapress
O colunista da Folha Julio Abramczyk (dir.), vestindo a beca do reitor, é cumprimentado durante sua formatura. Na mesa, da esquerda para a direita estão os professores Paulo Pinto Pupo, Abrahão Rotberg, Walter Leser e Otavio Ribeiro Ratto, em 22 de dezembro de 1966

Endereço da página: