Folha de S. Paulo


Sobre Brasil e EUA

Neste mês completo três anos escrevendo esta coluna. Quando comecei, os editores da Folha me confiaram uma tarefa ampla: "Escreva sobre como os Estados Unidos veem o Brasil e sobre qualquer outra coisa que a interessar". Que voto de confiança! Mas é difícil captar em 450 palavras o que um país imenso enxerga em outro, especialmente quando, muitas vezes, nem sequer enxergamos um ao outro.

Mesmo assim, o fato de percorrer as Américas e escrever sobre elas desde os tempos de Reagan me deu alguma perspectiva sobre as transformações geopolíticas, de política externa e de política doméstica que colocaram o Brasil no mapa.

Nesta coluna, já escrevi sobre o êxito do Brasil na redução da pobreza e desigualdade e sobre sua capacidade de impor uma discussão diferente com as potências tradicionais sobre o que constitui a legitimidade nas relações internacionais e quem a define. Já escrevi sobre política, protestos, petróleo, prisões, ambiente, gênero e raça –muitas vezes fazendo referência a essas mesmas questões nos EUA.

Temos muito em comum, de fato: o peso da escravidão sobre nossa história, nossas tentativas mais recentes de firmar um contrato social inclusivo, como ser (ou não ser) uma potência hegemônica nas Américas –essas características chamam minha atenção repetidamente. Também já escrevi extensamente sobre políticos americanos, a política dos EUA, sua cultura pop, sua política externa –até sobre o papa.

E, pelo fato de que trabalhei num "think tank" de política externa, compartilhei com o leitor minha visão sobre uma série de questões na América Latina –as transformações em Cuba, a política dos EUA para a ilha, Venezuela, Colômbia, México e relações na região. Mas não vivo no Brasil nem visito o país o suficiente para mergulhar fundo em sua política complexa, no mais recente escândalo de corrupção ou na trajetória dos cismas sociais e econômicos na sociedade brasileira.

Entretanto, observando o Brasil traçar, financiar e implementar programas sociais maciços para seus cidadãos mais marginalizados, voltei meu foco para um período semelhante na história americana, a década de 1960, e, especialmente, para a Presidência de Lyndon B. Johnson (1963-1969). Pensando o golpe de 1964 ou talvez o Vietnã, certo? Ok. Mas os programas e leis de direitos civis do plano Grande Sociedade moldaram nosso país de mil maneiras, com leis para melhorar o acesso ao voto e à representação, a saúde, o controle de natalidade, os parques nacionais, um ambiente limpo, alfabetização, ensino superior e infraestrutura eficaz.

Na verdade, Lula poderia ter se inspirado em trechos dos discursos de LBJ sobre o plano Grande Sociedade quando fez seus próprios discursos. Como fez o presidente Obama em Selma, Alabama, na semana passada, hoje os americanos estão refletindo sobre os anos 1960.

Eu também. Vou escrever uma biografia de Lady Bird Johnson, a primeira-dama cujas contribuições à vida pública americana foram em grande medida ignoradas ou tratadas com pouco caso. Com a possibilidade de uma ex-primeira-dama retornar como presidente em 2016, este é o bom momento para falar de Lady Bird. E esta coluna? Provavelmente vai discorrer mais sobre os Estados Unidos. Graças ao Brasil.


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