Folha de S. Paulo


Wall Street, Washington e o Brasil

Wall Street revelou suas preferências bem antes do primeiro turno: os mercados queriam mudança. Tudo menos Dilma, e, se isso significasse Marina Silva, que assim fosse! Ela seria moldada para caber no recipiente correto, favorável ao mercado.

Washington tinha uma visão ligeiramente mais cética do crescimento de Marina, mas a maioria dos observadores estreitos do Brasil também identificou nela a "agente de transformações", à moda de Obama, que, encarnando as reivindicações dos protestos de 2013, poderia impelir o Brasil para a próxima fase de reformas políticas.

Ademais, a repentina abertura de Marina ao agronegócio e aos acordos comerciais, sua narrativa pessoal fascinante e seu ambientalismo sugeriam uma abertura para a gestão Obama reacender brasas quase dormentes do relacionamento bilateral.

Surpresa! É hora de rever expectativas e formular perguntas. Com Aécio atraindo respeitáveis 34% dos votos, num cenário em que tenha votos suficientes, junto com os de Marina, para prevalecer sobre Dilma, o que um governo do PSDB assinalaria para Wall Street e Washington?

Aplausos de todos os lados, com um breve período de ajuste entre os burocratas políticos que já estão conformados com a natureza discreta, pós-NSA, do interesse de Brasília, ou de sua falta de interesse, pela antes louvada "parceria estratégica".

Mas não devemos nos iludir: não se prevê que seja dramática qualquer possível correção de rumo da política externa brasileira sob o PSDB. Basta ver como Barack Obama virou um presidente de guerra em seu segundo mandato.

As expectativas para um segundo mandato de Dilma na Presidência são de muito mais continuidade que mudanças na política econômica e externa, além das prioridades domésticas como um todo. Talvez ela desafie essas expectativas. Mas, olhando além do 26 de outubro de 2014, ainda restam perguntas importantes.

O que foi feito das reivindicações encarnadas nos protestos de 2013? Que tratamento o vencedor da eleição dará a elas? Os progressistas culturais e de viés ambientalista recuaram diante da temporização de Marina em relação ao casamento gay e ao evangelismo?

A persona da candidata, disposta a abrir-se a todos, prejudicou inadvertidamente a atração antes ilimitada que ela exercia? A classe média brasileira em constante expansão vai encontrar o líder do qual tanto precisa para romper com a política à moda de sempre?

Para os que estão desanimados com a ideia ilusória da transformação no país, essas perguntas exigem respostas. Quer o PT ou o PSDB estejam no Planalto em 2015, já vimos essa história se desenrolar cinco vezes antes.

É verdade que Marina oferecia uma visão de mudanças, mas era uma visão marcada pela insegurança. Os brasileiros, que já avançaram tanto em 30 anos de democracia, podem ter simplesmente rejeitado o potencial retorno ao desconhecido.

Enquanto a campanha avança, vamos torcer para que ou Dilma ou Aécio cumpram sua promessa de atender aos chamados ensurdecedores por mudanças. Quanto a Marina, embora possa ter sido derrotada agora, talvez –como seu antigo mentor Lula– tente novamente em 2018. Afinal, como reza o ditado, na terceira vez pode dar certo, não?

@JuliaSweig


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