Folha de S. Paulo


Responsáveis pela tragédia

Seria tão mais simples se houvesse um vilão a quem atribuir a culpa pela crise dos refugiados da América Central. Oliver North. Os contras. A guerrilha. Os esquadrões da morte. Em vez disso, a crise que levou 50 mil crianças e 30 mil adultos a atravessar a fronteira EUA-México é fruto de um misto letal e trágico de violência de quadrilhas, guerra do tráfico, judiciários fracos, instituições de segurança corruptas, miséria e desigualdade esmagadoras e o fracasso do sistema político americano. Tratemos desse último ponto primeiro. Fracasso? Isso mesmo.

Ainda não temos a lei abrangente de imigração prometida pelos presidentes Obama e, antes dele, Bush. Os republicanos do Tea Party enfraqueceram de tal maneira a ala razoável do Partido Republicano que é pouco provável que o Congresso venha a aprovar tal lei.

A exploração também exerce um papel. O mercado negro do tráfico de crianças fez uso imoral da palavra "permiso" (permissão) para persuadir pais desesperados de que seus filhos seriam autorizados a permanecer nos EUA se atravessassem a fronteira antes de ser aprovada uma lei de imigração. Mas, descobrimos, "permiso" nada mais é que uma intimação judicial para audiência de deportação num tribunal.

Críticos culpam Obama pela decisão tomada no ano passado de permitir a permanência nos Estados Unidos de muitos hoje adultos jovens cujos pais os levaram ao país antes de 2007. Vale lembrar que Obama já deportou mais migrantes dos Estados Unidos –quase 2 milhões– que qualquer outro presidente. E ainda não há dinheiro suficiente para contratar agentes de fronteira e funcionários de tribunais ou pagar por drones para impedir pessoas de continuarem a arriscar suas vidas e dividir suas famílias, muitas vezes de modo permanente.

A maior parte da nova onda de migrantes vem de Guatemala, El Salvador e Honduras. Eles não são tão pobres quanto os haitianos traficados para o Brasil, mas fogem da violência de quadrilhas criminosas, corrupção, impunidade e alguns dos índices de homicídio mais altos do mundo. Em 2012, o índice da Guatemala chegou a 39,9 por 100 mil habitantes, o de El Salvador a 41,2 (e isso foi durante a trégua entre quadrilhas, que acabou) e o de Honduras a apavorantes 90,4.

A administração Obama está tomando medidas para barrar essa onda. Joe Biden vem se reunindo com chefes de Estado, persuadindo e implorando por ajuda. O próprio Obama atacou republicanos e pediu mais segurança e assistência humanitária para a fronteira e a América Central. E o papel do México? Uma fronteira sul desprotegida e porosa facilita o fluxo de migrantes. São tantos os culpados no caso que não tenho mais dedos com os quais apontar todos.

Conheço uma salvadorenha que em 1987 sobreviveu a um massacre, arrastou-se debaixo de cadáveres com sua filha nos ombros e escapou para os EUA. Entendo essa história e posso dar nomes ao elenco de personagens que tiveram participação em seu trauma. O sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão. Esta tragédia tem tantos pais que é impossível atribuir a culpa a qualquer um deles isoladamente.

@JuliaSweig


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