Folha de S. Paulo


O novo prefeito de Nova York

Desigualdade. Educação na primeira infância. Impostos mais altos sobre rendas acima de US$ 500 mil. Maior controle do perfilamento racial feito pela polícia. O novo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, toma posse hoje depois de retratar os 12 anos de Michael Bloomberg na prefeitura como uma narrativa de Charles Dickens, um "conto de duas cidades".

O legado de Bloomberg em infraestrutura, transportes e saúde pública e no índice de criminalidade e homicídios mais baixo da história, somado à sua liderança nacional no controle de armas, melhorou e tornou mais seguras as vidas de muitos. Brasileiros que vão a Nova York ou compram apartamentos lá são testemunhas dos muitos encantos da cidade nesse quesito, em contraste com suas próprias cidades.

Mas, como no resto dos EUA –e talvez pelo fato de a vida dos que estão bem ser tão boa, a opulência ser tão opulenta–, a vida dos nova-iorquinos de poucos recursos tornou-se difícil ao extremo.

Os imóveis têm preços inacessíveis. É difícil achar apartamentos de aluguel subsidiado ou controlado. O índice de pobreza infantil em Nova York é de 31%. Aqueles apartamentos de cobertura na rua West 57th vendidos por US$ 40 milhões, US$ 50 milhões ou US$ 90 milhões têm vistas espetaculares do Central Park, mas ficam altos demais para que seus moradores enxerguem a vida dos nova-iorquinos pobres.

A campanha de Blasio destacou esses contrastes. Mas a perspectiva progressista do novo prefeito foi formada muito antes de ele se tornar um ator político em Nova York (ele dirigiu a campanha de Hillary Clinton para o Senado estadual em 2000). Nos anos 80, Blasio trabalhou no movimento de solidariedade com a Nicarágua; mais tarde, graduou-se em política latino-americana por Columbia. Na época, e também hoje, a América Central era o melhor exemplo de como a concentração desproporcional de recursos nas mãos de uma elite pequena pode ter consequências devastadoras para o bem-estar público.

Como o primeiro prefeito de Nova York pós-crise financeira, pós-Ocupe Wall Street, Blasio evidentemente valoriza a capacidade de a boa política governamental, e não apenas o mercado, melhorar a vida das pessoas. Sua tarefa como prefeito –levar adiante o legado positivo de Bloomberg, mas dar à maioria pobre, trabalhadora pobre e de classe média uma oportunidade de crescer, não apenas sobreviver– é também o maior desafio nacional que enfrentamos como país.

O Partido Democrata em especial, o mesmo cuja liderança há duas décadas aceita, em grande medida, o mantra do mercado segundo o qual regulamentação e impostos são inimigos da prosperidade, tomou nota dos excessos republicanos, mas também da atração política da mensagem de Blasio, do êxito de sua campanha e da emergência de progressistas em quase todo o país.

Para deixar ainda mais claro que Nova York tem o hábito de definir os padrões para o resto do país, Blasio será empossado por um ex-presidente, Bill Clinton; uma potencial futura presidente, Hillary, acompanhará o evento nas cadeiras VIPs.

Tradução de CLARA ALLAIN


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