Folha de S. Paulo


Querida presidente Dilma

Cara presidente Dilma,

Espero que você não cancele sua visita de Estado aos EUA.

Não posso imaginar todos os elementos que pesam em sua decisão de jantar na Casa Branca no dia 23 de outubro.

É possível que Glenn Greenwald e o "Fantástico" tenham mais a revelar nas próximas semanas. Além disso, suponho que Susan Rice não irá esclarecer, como você pediu, "everything" que a NSA fez ou está fazendo em relação ao Brasil.

A expressão que nossos países escolheram para descrever a relação EUA-Brasil, "parceria estratégica", muitas vezes parece mais retórica do que real.

Mas essas palavras capturam uma ambição que não deveria ser descartada porque o Estado de segurança nacional de um de nossos países decidiu que o Brasil é importante o suficiente para ser espionado. Ainda: só porque Washington considera a vigilância doméstica e global parte da vida cotidiana, não significa que Brasília deveria deixar o escândalo para lá.

Não quero minimizar a importância que o Brasil atribui a questões de soberania, privacidade e vigilância: você tem sua própria história de intrusões e violações por um Estado de segurança nacional.

Mas, a meu ver, esse episódio com a NSA é precisamente o tipo de desafio que comprova a necessidade de duas grandes figuras das Américas --você e o presidente Obama-- continuarem quebrando estereótipos e manterem o diálogo.

Nos últimos três anos, Brasília e Washington ingressaram em uma estratégia de longo prazo de cooperação mais profunda --entre governos e além deles.

Infelizmente, ainda não tivemos grandes recompensas --como um acordo de comércio ou o aceno para que o Brasil integre permanentemente o Conselho de Segurança da ONU. No entanto, você dizia que ambos os países têm muito a ganhar com o aprofundamento da coordenação econômica e internacional.

Seria uma pena enviar agora a mensagem de que os crescentes planos nas áreas de energia, ambiente, clima, educação, inovação, ciência, tecnologia e turismo são menos importantes que a crise com a NSA.

Cancelar a visita talvez satisfaça pressões domésticas, mas enviará a Washington a mensagem de que o Brasil não tem estâmina ou visão estratégica para encarar os momentos de tensão que são difíceis, mas não insuperáveis.

Afinal, a visita não diz respeito somente a Dilma Rousseff, Barack Obama e grandes negócios.

A visita diz respeito aos estudantes, professores, turistas, cientistas, engenheiros, dançarinos, cineastas, músicos, designers, atletas, artistas e autores --brasileiros e americanos-- que, graças a seus presidentes, estão descobrindo um ao outro, o quanto têm em comum e o que cada país tem a oferecer.

Em vez de cancelar, dê um passeio no Rose Garden para uma séria conversa em particular, sem assessores ou pontos de discussão. Diga o que pensa e faça propostas. Nessa noite, todos vamos brindar à sua liderança.


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