Folha de S. Paulo


Na política já vimos no que dá ser mais realista que o rei. No futebol é igual

Rodrigo Coca/Eleven/Folhapress
Torcida acompanha treino do Corinthians para o clássico contra o Palmeiras, no Estádio Itaquerão, neste sábado
Torcida acompanha treino do Corinthians para o clássico contra o Palmeiras, no Itaquerão, neste sábado

Governos de coalização na jovem democracia brasileira nos trouxeram à vergonhosa situação em que estamos não é de hoje.

Há até quem festeje ser o governo atual mais competente que o anterior no quesito comprar parlamentares para sustentá-lo.

Como há quem aplauda a classificação do Grêmio para a final da Libertadores mesmo com atuação fraca no jogo de volta contra o Barcelona, muito pior que no jogo de ida, quando o time brasileiro deu um show e fez 3 a 0, o que permitiu a derrota por 1 a 0 em Porto Alegre.

Sim, vale o fato de o tricolor gaúcho estar em sua quinta decisão do torneio continental, em busca do tricampeonato. "Sou louco por tri, América", canta a torcida gremista como cantou o baiano Caetano Veloso, que certamente achou divertida a troca do ti por tri.

O que nada tem de divertido para quem gosta de futebol bem jogado é a diferença da primeira para a segunda atuação, diante de 54 mil torcedores na Arena Grêmio.

Será, velha questão teimosamente não resolvida, o resultado tão mais importante que o espetáculo?

Ser copeiro é sinônimo de ser pragmático?

O tal resultadismo é uma praga disposta a erradicar a beleza do jogo?

Nem com Pep Guardiola capaz de provar em cada time que dirige, seja o catalão Barcelona, o alemão Bayern ou o inglês Manchester City, que a contradição entre jogar bem e perder ou mal e vencer é mentirosa, porque seus times encantam e vencem?

Ok, ele só tem comandado equipes recheadas de astros talentosos em clubes riquíssimos, ao contrário dos que habitam o lado sul-americano do planeta.

Mas não é tudo proporcional?

A capacidade de investimento dos clubes brasileiros não é muito maior que a dos vizinhos nesta parte do continente?

Maldita realpolitik, capaz de enterrar as ideias em nome de fins inevitavelmente manchados por meios nefastos.

Maldito futebol de resultados, impregnado pela força em detrimento da arte.

O que veremos no Dérbi desta tarde em Itaquera?

O líder do campeonato do país, pentacampeão, mundial jogando com seus cinco pontos de vantagem embaixo do braço ou disposto a fazer valer o fato de jogar em casa?

Não, não precisa responder, rara leitora, raro leitor, principalmente se você for corintiana ou corintiano.

O empate estará de bom tamanho, importa administrar a diferença que garanta a liderança cômoda, a maioria dirá, pragmaticamente.

No máximo, jogar por uma bola, fazer um golzinho, nada de atacar o Palmeiras porque a derrota será catastrófica.

Pergunte ao Rei Pelé se alguma vez ele pensou assim. Ao Divino Ademir da Guia, ao Doutor Sócrates, se ele pudesse responder.

A história registrará quem foi o campeão, dirão os pragmáticos, não importa como o título foi obtido.

Só que não é verdade.

A história registra a Hungria de 1954, a Holanda de 1974, o Brasil de 1982. Que perderam.

Perderam?

Pergunte a Pep Guardiola se perderam. O repórter João Castelo Branco perguntou sobre a seleção de 1982 e ele respondeu: "O futebol não é feito de títulos, de números, mas de emoções. Como bons livros e filmes, times que resistem 20, 40 anos, são vencedores".


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