Folha de S. Paulo


Medíocre, corrompido e atrasado, nosso futebol tem o rosto de Temer

Ueslei Marcelino/Reuters
Brazil's President Michel Temer speaks during press statement at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, September 28, 2017. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: UMS3
O presidente Michel Temer fala durante coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, em Brasília

O Barcelona não tem a cara de Carles Puigdemont, o governador da Catalunha, aventureiro disposto a levar os catalães não se sabe para onde. Porque é Lionel Messi quem mostra o caminho.

Nem o Real Madrid se parece com Mariano Rajoy, cuja cegueira conduziu a questão catalã ao impasse. Cristiano Ronaldo resolve os problemas.

Também o Manchester City do revolucionário Pep Guardiola nada tem a ver com o conservadorismo de Theresa May, primeira-ministra inglesa.

Como o Bayern de Munique desmonta a rigidez de Angela Merkel, a chefona alemã.

Dos times que estão jogando o fino da bola, só o PSG pode mimetizar o presidente francês Emmanuel Macron, uma incógnita, ora para um lado, ora para o outro, ao estilo de Neymar. No que vai dar?

Já o futebol brasileiro é Michel Temer escarrado. Porque tão medíocre que parece mentira que tenhamos chegado a tal ponto.

Dissimulado para tentar enganar os juízes como as mãozinhas ligeiras do habitante sem pudor do Palácio do Planalto.

Denunciado por crimes eternamente impunes, com exceção de José Maria Marin, pego pela Justiça estrangeira, sempre capaz de dar um jeitinho para escapar dos rigores da lei, dos quais faz tábula rasa.

Corrompido com provas mais eloquentes que o 7 a 1, com gravações que não fazem corar os que se escandalizam com exposições de arte. A corrupção aceita de bom grado pelos batedores de panelas, porque quando ela é feita entre eles, os de sempre, tudo bem. Apenas os novos corruptos que irritam.

Atrasado a ponto de só pensar nos fins, sejam pelos meios que forem, razão pela qual abre-se mão do talento dos armadores, mas não dos negociantes. Importa só o resultado, por pífio que seja.

O país do jogo bonito está a cada dia mais feio.

A ponto de um treinador, Cuca, dizer que ter feito o gol muito cedo levou seu time a sofrer pressão inesperada e assim justificar empate injustificável.

Ou de um senador, Aécio Neves, absolvido por pares idênticos a ele, dizer que voltava ao Congresso Nacional "sem ódio e sem rancor", depois de tudo que falou em gravação, esta sim, pornográfica.

Não é de se estranhar que o Fla-Flu nacional esteja tão contaminado, exatamente, de ódio e rancor.

Pena que o futebol jogado nos Estados Unidos não permita juízo melhor, porque, também a exemplo de Donald Trump, alijado do respeito internacional, fora da Copa na terra de Vladimir Putin (argh!).

Se o futebol imita a vida como nos tempos de JK, em 1958, nem sempre é assim, embora agora, no Brasil, seja.

Em 1970 também não imitava, muito ao contrário, era incomparavelmente melhor.

Voltou a imitar em 1994, quando a liberdade abria as asas sobre nós, ou em 2002, marco civilizatório reestabelecido.

Vivemos tempos de obscurantismo em todos os setores. A saúde sofre, a educação é uma lástima, a cultura é atacada pelo que há de mais retrógrado, a economia tenta voltar à escravidão, até um alcaide sem noção se arvora em especialista em alimentação, acostumado com o caviar dele de cada dia, mas capaz de propor ração a quem não tem onde cair morto, por culpa dele, por sua culpa, pela minha, pela nossa, que construímos uma nação infame.

Como o futebol escaparia?


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